A palavra somatização caiu no gosto popular e a ela, muitos de nós, nos referimos quando algo não vai bem no corpo, mas não há nada anatômica ou fisiologicamente que explique o porquê.
E haja peregrinação em direção aos médicos. Um dia vai ao cardiologista, porque cismou que seu coração está batendo fora do ritmo e até percebe este baticum como um festival de tambores.
No outro vai ao gastroenterologista, porque o estômago dói. Mas também quer ir ao otorrinolaringologista, porque cismou que tem um bolo na garganta e vive com tonturas. Vá lá que seja uma labirintite também.
Ah, também vai ao neurologista, porque tem horas que dá para tremer. E nem estou apontando ainda, as dores, que se antes eram só na cabeça e um pouco no pescoço, agora migraram e desceram por toda a coluna até a lombar.
Sente as pernas pesadas a ponto de se arrastar. Talvez um ortopedista, ou será que teria que ir a um reumatologista? Enfim, o que será que está acontecendo com esta criatura?
Todos os médicos visitados, diante de uma série de exames, afirmam que nada há por fazer. Após uma senhora bateria de procedimentos e quilos de fármacos, jogam a toalha e encaminham para um psiquiatra.
E aí essa criatura chega no consultório deste especialista, a contragosto, diga-se de passagem, pois preferia uma doença diagnosticada no corpo. Algo físico. Seria tão mais fácil nominar o seu sofrimento e a sua dor neste corpo tão sofrido.
Como não é físico, se sente doer? Será que o psíquico daquela criatura poli queixosa pode se manifestar desta forma?
Toda dor é real e precisa ser tratada, claro. Mas precisa ser percebida por quais razões ela foi desencadeada.
Quando tudo dói, caro leitor, a dor não é física. Talvez estes transtornos psíquicos pudessem ter sido diagnosticados por qualquer outro médico, se este estivesse mais atento, tivesse tempo com seu paciente e o escutasse de verdade.
Consultas curtas de 10 a 15 minutos são uma aberração que não se justifica, salvo pelo desejo irresponsável do médico de ganhar mais em menos tempo.
Mas enfim, essa é outra história. Estas consultas curtas só servem para falar da enxaqueca, da colite, da baixa imunidade, das múltiplas gripes que se emendam. Da infeção urinária recorrente.
Talvez se este profissional tivesse perguntado e genuinamente se interessado pela biografia deste sujeito, as dores poderiam ter sido acolhidas de forma mais humanizada e manejadas de um jeito mais acurado e eficaz.
Como vai você? O que tem feito, ultimamente? Como vai a escola e ou o trabalho? Como está o clima naquele emprego? Gosta do que faz? Como é a relação com sua companheira? Alguma coisa está lhe preocupando ultimamente? O que está acontecendo com você?
Se quisesse e pudesse ouvir, se dedicasse mais tempo para o sujeito portador da enfermidade, o médico em vez de só enxergar e valorizar a suposta doença e a queixa física, saberia dos medos e angústias da alma.
Saberia da perda recente de alguém muito especial e querido, saberia do colapso financeiro que vive, do neto viciado em cocaína, das brigas domésticas, do assédio que sofre no trabalho, do estresse com o patrão, do medo da aposentadoria, da sua desmotivação para viver, sem vontade de ver as pessoas, saberia das noites insones. Da ansiedade, da depressão.
Tudo que nos faz mal e guardamos como mecanismo de defesa, aquilo que é recalcado e não é dito, faz com que o corpo fale. O corpo grita, manda sinais de alerta e pede atenção e ajuda. O corpo reclama dizendo: “olhe para você, olhe os caminhos árduos por onde você anda”.
O corpo quer a sua alma de volta. Quer o prazer e a alegria de viver novamente. O corpo fala e diz que as coisas não estão bem, que aquela criatura de Deus precisa redimensionar a vida, fazer novas escolhas, romper laços afetivos abusivos, reescrever e construir outra história. Às vezes é muito difícil, mas sempre é tempo de buscar ajuda.
Se um médico, preparado para ser um interpreta(dor), não dá ouvidos ao seu paciente, este sujeito que é um sofre(dor) fixar-se-á e será mais um prisioneiro dos males do século: as dores da alma que se fazem representar no corpo.
Caros colegas, eu sei que existem entre os senhores ilhas de excelência, graças a Deus, mas eu me dirijo aos especialistas em dores que algumas vezes são leigos em almas feridas: atentem-se para a biografia dos seus pacientes!
originalmente do JLPolitica.com.Br