“A riqueza obtida com facilidade não tem valor, a verdadeira riqueza está no esforço e na persistência” Aristóteles
A paixão do brasileiro pelos jogos de azar é antiga, não é mesmo? Quem não se lembra do jogo do bicho, onde muitos de nós crescemos ouvindo sobre parentes e conhecidos que sonhavam com números ou animais para fazer suas apostas.
E, claro, o futebol sempre foi nosso amor maior – uma oportunidade de reunir a família, assistir aos jogos e, muitas vezes, colocar um palpite no time favorito. Passamos dos tempos das apostas no bicho, da famosa “zebrinha” que anunciava as surpresas no futebol, para a Loteria Esportiva, Sena e Mega-Sena com seus prêmios milionários que até hoje fazem a gente suspirar com a chance de mudar de vida da noite para o dia.
Eu mesma não resisto ao apelo da Mega da Virada no final de cada ano. Você resiste àqueles números milionários e hipnóticos? E agora, estamos em uma nova era, onde não precisamos mais ir até uma lotérica ou esperar pela próxima rodada do jogo. As apostas estão a um clique de distância no celular.
Para que o leitor tenha uma real ideia da situação, em agosto de 2024 os brasileiros gastaram R$ 21 bilhões, uma fábula, com apostas online via pix. Mas será que essa facilidade está trazendo mais benefícios ou mais problemas?
Com o crescimento explosivo das bets – apostas online -, uma nova forma de jogo tomou conta do país. E, ao contrário da inocência dos tempos de outrora, estamos presenciando algo bem mais perigoso e silencioso: a ruína financeira e o abalo na saúde mental das famílias.
As estatísticas recentes não mentem. Segundo um estudo de 2024, cerca de 35% dos jovens brasileiros estão trocando a faculdade por apostas. Em parte, essa mudança reflete o fascínio por um estilo de vida que as apostas online parecem poder oferecer.
No entanto, essas apostas não são um caminho para a realização de sonhos, mas, muitas vezes, um atalho para a destruição. O que agrava ainda mais a situação é que muitos beneficiários do Bolsa Família estão comprometendo sua renda nessas apostas, colocando em risco o sustento básico de suas famílias.
Enquanto isso, o Governo parece focado apenas na arrecadação de impostos provenientes dessas apostas, deixando de lado o impacto social devastador. A Confederação Nacional do Comércio – CNC – já recorreu ao STF, buscando a proibição das bets, alegando que os bilhões gastos em apostas estão prejudicando o comércio e preocupando a equipe econômica.
E, como se já não bastasse o impacto econômico, o preço mais alto está sendo pago pela saúde mental das pessoas. Aqui é que entra a verdadeira questão: o que essa avalanche de apostas online está fazendo com a mente e o bem-estar das nossas famílias?
Este impacto começa de forma sutil, torna-se devastador e está longe dos números econômicos. Ele se esconde no silêncio das famílias endividadas. Nas noites insones de pais que veem seus filhos se afundarem em dívidas, e no desespero de quem, preso ao vício, já não sabe como sair.
E é aqui que Aristóteles ressurge como uma luz de sabedoria ao afirmar que a verdadeira riqueza reside no esforço e na persistência, não na promessa vazia de ganhos fáceis. A facilidade de acesso às apostas online, muitas vezes, faz com que os jogadores percam a noção de realidade.
O que começou como uma simples aposta em um jogo de futebol, rapidamente se transforma em um ciclo vicioso. Menores de idade, muitas vezes sem qualquer tipo de supervisão, também entram nesse jogo perigoso, colocando em risco não apenas seu futuro financeiro, mas também sua saúde mental. Tudo em um clique.
O envolvimento crescente de jovens e adolescentes é um dos aspectos mais preocupantes deste fenômeno. Muitos desses jovens, ainda em formação, são seduzidos pela ideia de ganhos rápidos, sem compreender plenamente as consequências de suas ações.
A troca da faculdade por bens é apenas um dos efeitos dessa inversão de valores, onde o imediato substitui o planejamento e a educação. Quando a promessa de uma vida luxuosa através das apostas falha – e ela invariavelmente falha -, o que sobra é o endividamento, a culpa e o impacto devastador sobre a saúde mental.
Esse ciclo é potencializado pela sensação de que, a qualquer momento, “a sorte vai virar”. Os algoritmos das plataformas de apostas são projetados para manter o jogador em constante estado de expectativa, gerando uma falsa esperança de que a próxima aposta será a vencedora. E assim, dia após dia, famílias inteiras se veem imersas em um abismo financeiro e emocional.
A ansiedade, a depressão e o isolamento social são apenas alguns dos problemas psicológicos que acompanham o vício em apostas online. E, na ponta desse iceberg, está a desestruturação familiar. Não são raros os casos em que pais descobrem que filhos menores estão usando seus cartões de crédito para apostar, ou que adultos se endividaram a tal ponto que perderam o controle sobre sua própria vida financeira.
A urgência de regulamentar o setor se torna evidente. Mas mais do que isso: é preciso um esforço coletivo para educar sobre os riscos dessas práticas e oferecer suporte às vítimas desse ciclo vicioso. Não basta proibir ou dificultar o acesso. O verdadeiro desafio está em resgatar o valor do esforço, do planejamento e da persistência – como nos ensinou Aristóteles.
A saúde mental das famílias brasileiras está em jogo. A regulamentação das apostas é uma parte necessária dessa equação, mas o maior esforço deve estar na conscientização e na prevenção. Precisamos alertar, informar e proteger nossos jovens e nossas famílias dessa roleta russa digital, onde, a cada aposta, mais do que dinheiro, está em risco o equilíbrio mental de todos os envolvidos.
O que antes era fazer uma fezinha – uma aposta ocasional, uma esperança misturada com fé -, agora se transformou em um ciclo perigoso. A facilidade com que se aposta, apenas com um clique no celular, criou uma ilusão de controle. No entanto, a verdade é que o controle está escapando das mãos de muitas famílias brasileiras. E aqui surge o verdadeiro dilema: até que ponto essa “fezinha” pode nos custar a paz mental, o equilíbrio financeiro e a harmonia familiar?
Eu pergunto a você, leitor: vale a pena apostar o futuro em um jogo, cujo resultado sempre favorece o sistema? Afinal, estamos jogando não só com o dinheiro, mas com a nossa própria saúde mental.
originalmente do JLPolitica.com.br