A mídia convence que as pessoas belas, com corpos perfeitos, terão sucesso no amor e nos negócios. A beleza torna-se encobridora da falta em uma franca recusa da castração. O corpo passou a ser palco da perfeição e da juventude eterna. A identificação com estas imagens segue um modelo chamado de ego ideal que aponta para o narcisismo e a tentativa de evitar conflitos e castração, e tem como consequência uma falsa ideia de completude e certo desenvolvimento paranoico com relação ao próprio corpo.
Desde sempre, os homens acreditaram terem sido criados à imagem e semelhança de Deus, e isto, de alguma forma, apontava para a condição humana de insignificância e uma eterna busca da perfeição. Entenda-se, aqui, perfeição espiritual, de conduta e retidão moral. Em plena era da tecnologia e da comunicação, surgem, favorecidos inclusive com o advento da mídia, modelos terrenos. E a perfeição que antes era de ordem etérea e ética, agora é puramente estética.
Antes, o corpo era da ordem do sagrado e vivia sob controle, para evitar que o homem caísse em tentação e pecasse, gerando culpa pela sua sexualidade e pelos seus inconfessáveis desejos. Hoje, o que conta é a aparência. As imagens dos corpos que desfilam assumem a forma padronizada vigente e o lugar de objetos de desejo. Portanto, o pecado agora é ser gordo, ter celulite, estrias ou rugas.
A medicina, graças aos recursos tecnológicos e cirúrgicos aliados aos da bioengenharia, avançou a ponto de ser capaz de fazer intervenções estéticas nunca dantes imaginadas. A fascinação da imagem desmorona a privacidade da mente e anula os espaços do pensar sem requerer ou prover inteligibilidade. As pessoas são levadas de forma hipnótica a se identificar e idealizar algo inexistente, em um esforço brutal para se alcançar o ideal do corpo perfeito (MAIA, 1998).
São muitas as ofertas para uma pessoa parecer diferente, mais bonita, mais desejável e ilusoriamente perfeita: muda a cor dos olhos, usa cosméticos, tatuagem, aumenta ou diminui partes do corpo, como seios, bumbum, lábios e até a vulva. A mídia imperativa entra em consonância com as escolhas narcísicas. O desejo estimulado pela propaganda se transforma em necessidade absoluta.
Neste mundinho de corpos e mentes vazios, o marketing é um grande instrumento que articula o consumo à produção de sentidos para a vida. Vive-se a cultura da superficialidade, do vazio e da falta de esperanças. Precisa-se ser tão belos quanto as celebridades, modelos e atores.
A cirurgia plástica pode ajudar a conquistar uma boca gigante e os músculos devem ser tão perfeitamente torneados, tonificados e esculpidos quanto os do ator Cauã Reymond. Se o leitor não o conhece, certamente não existe. Aliás nada existe fora do mundo globalizado do “plinplin”. Esta é a lógica midiática e alienante. Quando lidamos com as questões relacionadas à imagem, temos que pensar na cultura contemporânea e na atual sociedade de consumo.
É importante se questionar qual é a relação que existe entre as imagens dos corpos divulgados pela mídia em uma cultura de consumo, como ideais de beleza, e a ideia de completude e busca da felicidade. As pessoas estão o tempo todo aspirando o corpo perfeito, um marido bacana, uma mulher linda, um bom emprego. E se estas coisas ainda não foram alcançadas, não esmorecer, pois o pacote completo, sinônimo de sucesso deve estar por chegar. Este também é “o segredo” dos livros de autoajuda que se tornam best sellers. A mídia convence que as pessoas belas, com corpos perfeitos, terão sucesso no amor e nos negócios. Trata-se de uma promessa sobre um ganho narcísico. A beleza torna-se encobridora da falta em uma franca recusa da castração. Corpo e sexo na atualidade são bens de consumo, deslocam-se do privado para o espaço público. Diante desta falta de privacidade e da impossibilidade de obter prazer, surge uma angustia avassaladora.
Resta, ao sujeito, a compulsão em investir no corpo como necessidade do reequilíbrio do psiquismo que tanto padece. Maia (1998) se refere a um ideal de prazer de uma sociedade de consumo que nunca se sacia e que mantém as pessoas permanentemente insatisfeitas e abertas às novidades do mercado que renovam a promessa, de prazer absoluto.
REFERÊNCIAS
PIMENTEL, Déborah. Beleza Pura. Estudos de Psicanálise. Salvador, n. 31, out 2008, p. 43 – 49
MAIA, Marisa Schargel. Reprodução, imagem e a era da (des)ilusão. In: ANDRADE, Helena Manhães; CZERMAK, Rejane; AMORETTI, Rogério. Corpo e psicanálise. São Leopoldo: Editora Unisinos, 1998, p.199-212.