De um lado existe a necessidade de se falar da experiência psicanalítica a um outro psicanalista mais experiente, na tentativa de compreender melhor a transferência do seu analisando, e muitas vezes, de outro, a exigência da instituição que isso ocorra sob a forma de supervisão e como uma etapa, a ser cumprida, da formação psicanalítica.
O jovem analista quer também se certificar de que é capaz de sustentar a sua posição de psicanalista e deseja ser reconhecido pelos seus pares. Cria-se aí uma tensão entre demanda do psicanalista e a demanda criada pela instituição deste psicanalista em formação e que diz respeito aos laços com a sociedade, desejo e condições de pertencimento.
Do lado do jovem analista, existem uma série de impasses que o faz desejar um terceiro – alguém que ele supõe ter as respostas que ele deseja – que testemunhe a sua função de analista e a forma como ele lida com suas próprias defesas maníacas mobilizadas pelo seu analisando, seus pontos cegos, sua contratransferência, que podem impedi-lo a uma escuta analítica.
Afinal só existem dois psicanalistas conhecidos deste jovem analista, e mesmo assim sob um opaco véu: o seu próprio analista e ele próprio começando a ser posto neste lugar pelos analisandos que o procuram. Parece muito pouco. Devem existir formas de um psicanalista não se sentir tão sozinho. Na sua prática abre mão de si mesmo, destituído de referências, ocupando um lugar, delegado pelo seu analisando, de suposição de saber, em nome da verdade do sujeito do analisando. Está só. Esquecido de si mesmo, às vezes desconfortavelmente só.
É preciso ter mais referências, é preciso ter um espaço próprio acerca destas experiências, onde suas dúvidas, entusiasmos ou angústias, que lhe revelam nada saber sobre o seu paciente, tenha eco. A instituição por si só não responde a essa demanda e o recurso é, por excelência, a supervisão.
Tampouco falar disso na sua análise é o suficiente, pois na supervisão ele estaria falando e compartilhando com um colega numa posição de iguais sobre questões que inquietam a ambos, ainda que seja difícil negar as questões transferenciais que irão aí também se estabelecer e que até definiram algumas vezes a escolha do supervisor.
A supervisão, por conseguinte, seria uma chance dupla de troca, do supervisor e do supervisionando. Uma janela possível acerca do funcionamento dos dois, diante de uma prática inquietante, imprevisível e sem garantias por tratar-se sempre do inconsciente, e põe ambos em movimento, movidos pela mesma demanda: a impossibilidade da tarefa de psicanalisar e/ou supervisionar a psicanálise. Trata-se assim, não de um ensino, mas de uma confrontação e reconhecimento mútuo entre dois psicanalistas.
Acreditamos que quer por exigência institucional, quer não, a supervisão se constitui de fato em um pilar da formação analítica, tal qual a própria análise do psicanalista em formação, numa possibilidade deste jovem se defrontar com a ética da práxis analítica, se autorizando por seu próprio risco a ela e às suas vicissitudes, diante de uma testemunha a quem ele atribui um saber sobre a teoria e a prática.
Quando um jovem analista escolhe um supervisor como alguém que “sabe” e que pode lhe transmitir este saber, ele sustenta ilusoriamente, com a sua relação transferencial, o lugar impossível do seu supervisor, que por sua vez, lhe transmite algo não sabido por ambos, abrindo a possibilidade de algo sobrevir até que o supervisionando possa se dar conta que sua experiência é feita dos efeitos dos seus atos, como dizia Moustapha Safouan,, e que a supervisão faz com que ele perceba que suas intervenções se constituem em um ato psicanalítico; que o seu papel é reinventar a psicanálise na sua própria prática; é reconstruir sua própria experiência; é continuar a sua busca de saber para mais além.
Pimentel, D. Os impasses da supervisão, in Formação de Psicanalistas. Ed: CEFET-SE, 2004, p.71-81.
1 comentário em “Demanda Institucional de Supervisão Psicanalítica”
Muito bom!