“A arte de ser sábio é a arte de saber o que ignorar”
William James
Bem-vindo de volta, caro amigo leitor. Você já percebeu como nossa rotina nos últimos anos parece um roteiro de ficção científica? Trabalho remoto, reuniões sob pijamas -não vamos fingir que todos vestiam calças -, e aquele cantinho da casa que virou escritório/ginásio/quarto de hóspedes.
Mas, agora, muitas empresas estão chamando seus colaboradores de volta ao escritório, criando um cenário que mais parece um filme de suspense psicológico.
Chamei de “colaboradores”, mas assisti a um programa, em alguma noite dessas, onde uma professora de português que eu adoro, Cintia Chagas, dizia quão aberrante é essa palavra “colaboradores” e do ponto de vista dela, o correto a ser dito seria mesmo “funcionários”.
Acho que ela tem toda razão. Pense comigo! A palavra “colaboradores” sugere uma parceria mais equitativa e uma atmosfera de trabalho colaborativa. No entanto, essa nomenclatura pode também ser vista como uma maneira de mascarar a realidade hierárquica e as obrigações contratuais que definem a relação entre empregador e empregado.
Ao substituir “funcionários” por “colaboradores”, há o risco de desfocar a clareza do papel que cada indivíduo desempenha dentro da organização, especialmente em termos de direitos trabalhistas e expectativas de gestão.
Enquanto “colaborador” pode evocar um sentido de participação conjunta, “funcionário” mantém a precisão sobre a natureza da relação de trabalho, que é regida por leis trabalhistas e tem obrigações claras tanto para o empregador quanto para o empregado.
Mas voltemos para o tema que nos interessa. Os meus pacientes, servidores e não colaboradores, da Petrobras, aqui em Aracaju, por exemplo, estão vivendo este momento intensamente e sentem-se cobrados e pressionados ao retorno de um trabalho presencial e estão adoecendo. E não é para menos, pois a transição do “home office” para o “office-office” tem sido uma montanha-russa emocional para muitos.
Como diria William James na epígrafe, é essencial entendermos que nem tudo que nos preocupa merece nossa energia. Temos que aprender a arte de saber o que ignorar.
Acho de bom tom apresentar William James. William James foi um filósofo e psicólogo americano, considerado uma das figuras centrais no desenvolvimento da psicologia moderna, especialmente na América. Ele nasceu em 1842 e faleceu em 1910. James foi um dos principais teóricos da filosofia do pragmatismo e é frequentemente citado como o “pai da psicologia americana”.
No contexto do retorno ao trabalho presencial, muitos de meus pacientes têm compartilhado sentimentos de ansiedade e estresse com a ideia de deixar o conforto de suas casas.
Mas aqui vai uma dica de ouro: focar no que é controlável. Podemos não controlar as decisões corporativas, mas podemos ajustar nossa rotina e atitude em relação a essas mudanças. Confesso que eu, por exemplo, estou bem acomodada na minha telemedicina. Não sei se quero voltar para o trabalho 100% presencial.
Uma coisa interessante é o dilema do guarda-roupa e do café da manhã. Quem mais esqueceu como se veste para um ambiente de trabalho? Levantar cedo e escolher uma roupa que não seja o conjunto de moletom favorito pode ser um desafio! E o café da manhã?
Acabou aquele luxo de comer assistindo às notícias na cama cinco minutos “antes de ir para o trabalho”. Agora é preciso planejar com antecedência – parece que vamos precisar de mais que uma caneca de café para enfrentar essa nova realidade.
Outro grande impasse é a redescoberta do trânsito. Ah, o trânsito, nosso velho “amigo”. Quem não sentiu falta de ficar parado na avenida numa manhã chuvosa? – Ironia modo on. Aracaju, sequer precisa chover para inundar, já que estamos abaixo do nível do mar. Basta a maré encher.
Mas veja pelo lado bom: é uma ótima oportunidade para colocar os podcasts em dia ou, quem sabe, para uma meditação ativa, exercitando a paciência e a respiração profunda enquanto o carro da frente decide se vai ou fica.
Mas é claro que o retorno tem um lado positivo! Rever colegas, socializar frente a frente, e aquela sensação de normalidade que muitos de nós estamos ansiosos para recuperar.
Além disso, para muitos, separar fisicamente o espaço de trabalho do espaço de descanso ajuda a manter a saúde mental equilibrada. Sim, até mesmo nós, psicanalistas, celebramos pequenas vitórias como essas!
Um texto da revista Veja desta semana aborda as estratégias que as empresas americanas estão adotando para incentivar o retorno dos funcionários ao trabalho presencial após a pandemia, com foco especial na remuneração como um fator diferencial. Gosto desta ideia.
O artigo destaca que, nos Estados Unidos, os trabalhadores que optam pelo regime totalmente presencial têm recebido quase o dobro dos aumentos salariais em comparação com aqueles que continuam trabalhando remotamente.
Empresas como Apple, Google, Meta, Amazon, entre outras, têm comunicado que promoções e aumentos serão reservados prioritariamente para os empregados que trabalham no escritório, estabelecendo assim uma divisão clara entre os funcionários presenciais e os remotos.
Além disso, o retorno ao escritório é visto pelas empresas como uma forma de melhorar a produtividade e a interação entre os funcionários, que teriam sido prejudicadas pelo trabalho remoto.
Contudo, esse movimento tem gerado tensões, com alguns funcionários resistindo à mudança devido à flexibilidade e conforto proporcionados pelo home office. As empresas, por sua vez, estão tentando balancear essas tensões oferecendo benefícios e remodelando os ambientes de trabalho para torná-los mais atrativos.
Essa discussão ressalta a complexidade das políticas de trabalho pós-pandemia, onde o equilíbrio entre flexibilidade e a necessidade de presença física no escritório continua sendo um desafio significativo para as empresas e seus funcionários.
Então, enquanto fazemos essa transição, considerando que aqui não há propostas de aumento salarial, e caso o funcionário não retorne, pode até perder o seu emprego, que tal nos concentrarmos em adaptar, aceitar e talvez até apreciar o retorno ao escritório? Afinal, a arte de ser sábio também envolve saber encontrar alegria onde menos esperamos.
Agora, conte-me, como tem sido sua experiência? O sofá de casa ainda parece mais atraente ou o chamado do escritório já começou a ressoar? Compartilhe suas histórias e vamos rir – ou chorar – juntos nesta jornada.
originalmente do JLPolitica.com.br