Nada sabe de sua arte aquele que lhe desconhece a história
Goethe
Fiquei imensamente grata frente a generosa indicação dos meus pares, para que em nome da Academia Sergipana de Medicina (ASM), eu pudesse cumprimentar os neurologistas desta terra e dizer-lhes quão honroso foi para o nosso sodalício proceder àquele memorável encontro, de tamanha envergadura, dia 24 de outubro de 2018, recebendo na casa de Gileno Lima, aqueles que fazem história em Sergipe, com suas práticas humanistas. Os neurologistas homenageados daquela noite, que fulguram no nosso cenário e trazem luz sob a forma de estímulo para as boas práticas médicas são exemplos para as novas gerações.
Conhecer a nossa história significa resgatar e preservar a nossa memória, possibilidade única para compreender, inclusive, a construção da nossa própria identidade. Conhecer a nossa própria história, dos nossos vultos, ícones e professores, nos faz entender quem somos. Ao remontarmos a trajetória de cada um, encontramos a inspiração que precisamos para dar um sentido aos caminhos que percorremos, ressignificando a nossa vida e nos oportunizando construir no presente, o futuro que desejamos.
A ASM tem esta missão: resgatar e preservar a memória daqueles que contribuíram e ainda contribuem com a Medicina no nosso estado, para que chegássemos ao ponto em que nos encontramos.
A História da Medicina, está montada em um tripé que aponta para três grandes vertentes: histórica propriamente dita; filosófica; e a ética, que fundamenta a postura médica, regula suas ações e a humaniza.
É nossa meta, portanto, consolidar os propósitos que motivaram a fundação desta Academia por Gileno da Silveira Lima, que trazia consigo, o ideal traçado por Goethe acerca da importância de se conhecer a história daqueles que nos antecederam na arte que desenvolvemos e praticamos.
Quando saí de Sergipe para fazer minha formação psicanalítica no Círculo Psicanalítico da Bahia, fiquei trabalhando na enfermaria 3B do Hospital das Clínicas Professor Edgard Santos, hospital universitário da Universidade Federal da Bahia. O departamento era misto: neuropsiquiatria. Lá tive o privilégio de conhecer o Prof. Gilberto Rebello de Mattos, neurologista que formou uma geração inteira de novos especialistas, inclusive muitos sergipanos. Ele se graduou na Bahia em 1956 e fez residência no Rio de Janeiro na Santa Casa de Misericórdia no serviço do Dr. Paulo Niemayer de quem se tornou amigo, e simultaneamente, foi estagiário do serviço de eletroencefalografia da casa de saúde Dr. Eiras, como aluno de Dr. Helio Bello. Quando voltou para Salvador tornou-se professor de neurologia da Universidade Federal da Bahia, chefe do serviço de neurologia e de eletroencefalografia do hospital universitário.
Não nego que sempre tive uma certa intimidade com as letras e o palavrar, como diria o poeta Fernando Pessoa. Gosto de escrever e atribuo isso honrosamente aos bons hábitos de leitura e escrita dentro da nossa casa, especialmente do meu pai, o jornalista Nazário Pimentel, de quem muito me orgulho, e cuja história se funde com a do jornalismo de Sergipe e Alagoas. Mas, por justiça, rendo também, minha homenagem e expresso a minha dívida e gratidão ao neurologista Gilberto Rebello de Mattos, porquanto o prazer que ele despertou em mim para a pesquisa científica. Ele era um médico humanista, respeitado pelos seus pacientes, admirado pelos colegas e alunos e amigo da maioria dos neurologistas da velha guarda de Sergipe. Gilberto era autor de muitos trabalhos publicados e de um livro sobre “Enxaqueca: o controle das crises”. Foi com ele que produzi o meu trabalho de conclusão de curso, um estudo de caso, raríssimo, de degeneração cerebelo macular.
Gilberto terminou os seus dias morando e trabalhando em Aracaju, como eletroencefalografista, entre outros lugares no hospital universitário e no INSS. Morreu em 2011 aos 79 anos.
A minha admiração e respeito aos neurologistas são gigantes. No meu convite de formatura manifestei gratidão para cinco profissionais desta categoria, entre outros queridos professores que também me marcaram muito. Citados no convite em ordem alfabética, pois eram todos grandes mestres e inspiradores das boas práticas, estavam os neurologistas: Antônio Andrade Filho; Gilberto Rebello de Mattos; Hélio Araújo Oliveira, um professor querido, o primeiro de neurocirurgia do estado, reserva ética, exemplo e inspiração para toda a minha geração; Plinio Garcez de Sena e Victal de Moraes Sarmento.
A neurologia e as neurociências ainda têm muito com o que contribuir desvendando mistérios sobre a natureza humana.
Em 2002, o colega presidente da ASM, o neurologista Prof. Dr. Roberto Cesar Pereira do Prado me presenteou com um livro, “O Erro de Descartes”, de autoria de um neurologista português, que trabalha e faz pesquisa nos Estados Unidos, António Damásio que também é autor de “O Mistério da Consciência” e lançou recentemente “A estranha ordem das coisas” no qual fala sobre sentimentos como formadores de consciência e motor da ciência. Este pesquisador tenta compreender e mapear uma das áreas mais nebulosas do conhecimento: a consciência humana.
“O nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado:
nele se encontram todos os segredos, inclusive o da felicidade.”
Esta frase é de Charles Chaplin, mas poderia ser de Damásio que tenta encontrar as respostas para as questões mais antigas da filosofia, da psiquiatria e da psicanálise, pesquisando o que há de mais novo no conhecimento do cérebro. Ele prevê problemas bioéticos no futuro, a exemplo dos limites da clonagem humana, diante dos avanços da ciência que estarão ligados à possibilidade de manipularmos algumas áreas do cérebro e criarmos realidades ou modificarmos nossas emoções por meio de uma melhor compreensão da mente.
Sem querer fazer especulações, afinal, até então, só temos teorias, mas, quem sabe, é bem provável que isso seja possível nas próximas duas, ou três décadas. E se assim for, vamos ter que decidir, quando for a hora, o que é e não é ético, o que deve e não deve ser permitido.
Não é à toa que jocosamente dizemos que médico pensa que é Deus, enquanto o neurologista tem certeza de sua divindade.
Mesmo que venhamos a compreender a mente com mais profundidade, será muito difícil desvendar mistérios que talvez nosso cérebro não tenha capacidade para compreender certos enigmas. E, graças a Deus, temos a psicanálise, fundada por um neurologista: Freud explica.
Aliás, Freud não só deixou fortes evidências da persistência da referência neurológica no período mais tipicamente psicanalítico da sua produção e das ideias metapsicológicas, mas, também reiterou sua recusa da teoria das localizações cerebrais, que data dos primórdios de seu pensamento.
Meu brilhante colega, psicanalista e grande parceiro dentro do Círculo Psicanalítico de Sergipe, o Prof. Dr. Ricardo Barreto questiona se não seria necessária uma maior articulação da psicanálise com a neurologia, propondo uma visão integrativa do conhecimento para a compreensão aprofundada de pessoas com cefaleias, Alzheimer, Parkinson, epilepsia, as afasias, entre tantos outros exemplos.
A psicanálise, fundada por um neurologista, instituiu um modo revolucionário de pensar o humano. A psique não se reduz à consciência, pois existe um Outro sempre, um estranho dentro de nós, o inconsciente, e as patologias somáticas não excluem a subjetividade do humano e algumas vezes são enigmas a serem decifrados na fala do ser que delas padecem.
Finalmente, não posso me furtar e esquecer de citar o II Congresso promovido pela Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental do Nordeste Brasileiro, em Aracaju, que foi um marco para a medicina do nosso estado e aconteceu em outubro de 1940. Naquela ocasião histórica, Gilberto Freire fez a conferência magna e disse “De Sergipe, o brasileiro de outro estado, por mais ignorante que seja da geografia, da paisagem, da produção agrícola, da atividade econômica, mas deste ilustre pedaço do Brasil, saberá sempre dizer, para caracterizar no mapa brasileiro a província sergipana: aqui há inteligência”.
Assim, confrades, colegas, alunos e queridos amigos, naquela inesquecível noite, tecemos loas aos cérebros notáveis da neurologia sergipana (aqui há inteligência) e para fazê-lo nos inspiramos em Dr. Jose Tarcísio Carneiro Leão, um pernambucano que chegou em Sergipe em 1964 e tornou-se aqui o professor da recém-criada faculdade de medicina de Sergipe. O professor Tarcísio foi o primeiro neurologista de Sergipe e aqui fez escola. É um dos nossos ícones. O nome do troféu distribuído pela ASM entre os grandes vultos da neurologia sergipana, não poderia, portanto, ser mais emblemático.
Os grandes médicos, professores, mestres exemplares, pesquisadores, ilustres amigos e colegas neurologistas, homenageados pela ASM com o troféu Dr. Tarcísio Carneiro Leão, foram:
Alberto Silva Barreto
Aldete Hermínia de Aguiar Oliveira
André de Almeida Pires
Carlos Umberto Pereira
Eduardo Luis de Aquino Neves
Fernando Aguiar
Fernando Oliveira Costa
Gilberto Rebello de Mattos (in memoriam)
Hélio Araújo Oliveira
Hesmoney Ramos de Santa Rosa
José Calazans dos Santos
José Cortes Rolemberg Filho
José Fábio Santos Leopoldino
José Lúcio de Oliveira Dantas
Josias Dantas Passos
Joyce de Faria Amado de Almeida
Manoel Arnon Marinho de Queiroz
Marbene Guedes Machado
Marcelo Barreto Barbosa
Patricia Aranda Garcia de Souza
Petrônio Andrade Gomes
Roberto César Pereira do Prado
Suzana Dantas Passos
Tania Maria Maynart Pereira
Tarcísio Carneiro Leão (in memoriam)
Zairson de Almeida Franco
Para todos eles, o nosso apreço e oceânica gratidão.
2 comentários em “Eu e os Neurologistas”
Parabéns Déborah, você escreve realmente muito bem, me deixou orgulhoso dos dois, você e meu pai. Beijo!!
Queria ver uma foto do médico Dr. José Fábio Santos Leopoldino para eu ver se é um m neurologista que conheço. Se for possível me envie para meu e-mail. Desde de já agradeço.