“Viajar deixa você sem palavras e depois o transforma em um contador de histórias”
Ibn Battuta
Quando muito jovem, ainda menina-moça, saindo da adolescência e entrando na fase de maiores responsabilidades, estudei em Hattiesburg, na University of Southern Mississipi – USM -, nos Estados Unidos da América. Tenho algumas boas lembranças daquela época.
A primeira e mais importante recordação é que cheguei bem magrinha, por aquelas bandas. Voltei rechonchuda para casa. Será que existe essa palavra?
Eu era aquela que tinha, por dengo de avó, muitas restrições alimentares. Só comia banana frita com queijo coalho, canela e açúcar – alimentação prioritária e preferida. Ovos fritos com macaxeira ou com cuscuz ao leite; carne do sol com batata doce e o famoso filet à cavalo com fritas – também conhecido como “Filet Assis Chateaubriand” e que tinha como acompanhamento, um ovo frito -, mas este último era só no almoço domingueiro, com a família, no restaurante do Hotel Palace.
Bom frisar que o garçom, graças ao prestígio do meu pai, que costumava distribuir gordas gorjetas, não ao se despedir para agradecer, como seria o usual, mas ao cumprimentar os prestadores de serviço na chegada, antecipando a garantia de bons serviços, reconhecia-me, e já sabia o que a primogênita do Sr. Pimentel desejava pedir para o almoço.
Ah, o garçom também já sabia o que eu ia querer de sobremesa: cartola – a minha bananinha da vovó, frita com queijo, açúcar e canela. Não tenho certeza, mas creio que a cartola do Hotel Palace, tinha um sorvete de creme, que era um “plus” aos dengos de dona Toinha. Eu me sentia como as celebridades se sentem hoje. Suponho!
Ah, não posso esquecer: eu também adorava caranguejos e quando íamos no Bar Corno Velho, sempre pedíamos uma dúzia, no mínimo. Atenção: o Corno Velho era um bar no caminho da Atalaia, antes da pista ser duplicada entre 30 e 40 anos atrás. Nada a ver com o Corno Velho conhecido de um leitor mais jovem.
Mas, enfim! Na cidade de Hattiesburg, tive que fazer uma nova educação alimentar ou passaria fome, e aprendi a comer e a gostar de absolutamente de um tudo. Ah, o ser humano com uma capacidade fantástica de adaptação, mesmo e principalmente nas adversidades.
Todas as refeições eram feitas no refeitório da USM. Eu percebia que muitos ou todos os jovens que nos serviam no bandejão, ou tomavam conta dos halls dos dormitórios, eram também estudantes que trabalhavam em troca das próprias refeições e do alojamento.
A cidade era minúscula, com apenas 10 mil habitantes, fiquei hospedada em um dormitório da própria universidade. O meu era o Scott Hall. Fiquei separada de todos os meus amigos que viajaram comigo.
As amigas ficaram no Bolton Hall. Não lembro dos nomes dos outros alojamentos. Aliás, eu não lembrava nem do meu, até a amiga Acacia Brandão há poucos dias rememorar as informações.
Cada um de nós, estudantes brasileiros, dividia o seu quarto com um estudante americano dos mais diferentes cursos para aproveitamento melhor dos estudos da língua inglesa. A minha “roommate” era estudante de design. Há 45 anos eu não entendia direito o que era exatamente aquilo e como seria o mercado de trabalho para tal profissão. Achei excêntrico.
O banheiro era comum para todos no corredor dos quartos do alojamento. Isso, confesso, me incomodava muito, principalmente na hora do banho, ainda que os boxes fossem privativos.
Eu estava acostumada a ter um quarto e um banheiro só para mim. Morávamos em uma casa e a única suíte era minha. Nem meus pais tinham esta regalia. Não lembro como aconteceu, a casa era térrea na Praça Assis Chateaubriand, mas foi construído um quarto, sobre a garagem, e lá eu reinava. Um universo à parte. Todo meu.
E de repente, eu estava em um local com uma dezena de quartos, para usar um único banheiro, ainda que gigante, compartilhado por todos daquele corredor.
Lembro de naquela época ter saído do meu hall para encontrar dois amigos sergipanos no bloco deles. Estava escurecendo e eu morria de medo de andar sozinha à noite.
Dois jovens tomavam conta da portaria e eu disse que estava procurando dois rapazes, ao que eles prontamente responderam rindo: “Você acabou de nos achar!”. Diante da minha cara assustada, eles me acalmaram e interfonaram para os meus amigos.
O mundo não mudou nadinha de nada. E só de lembrar ainda tenho um frio na barriga. Mas foi apenas uma brincadeirinha… para eles.
Aliás, foi graças a esta temporada americana, que eu fui ensinar inglês no Instituto Canadá durante o período de estudante de Medicina, ganhando e gastando meu próprio dinheirinho no cursinho de Olímpio Seixas.
Fui rever a minha universidade nestas férias. Depois, prometo contar tudo. Aliás depois de 45 anos tudo mudou e eu não sei, inclusive, onde foi parar o meu inglês que anda enferrujado.
originalmente do JLPolitica.com.Br