Dinheiro não é reconhecimento, é recompensa.
Já reconhecimento é algo que se conquista e que dinheiro nenhum pode pagar.
Wczandoni
Prezado leitor, diante de uma experiência que vivi e já, já lhe revelarei, resolvi pesquisar o sentido da palavra gorjeta. Descobri que a palavra “gorjeta” é, na origem, um diminutivo de “gorja”, termo hoje pouco usado que significa “garganta, goela” – um descendente do latim, gurges, que remete a gorjeio (seria dos pássaros também?), do gorgolejo e do regurgitamento, algo sempre gutural (às vezes até cultural), sempre ligado a garganta.
Enfim, a gorjeta é algo comum e muito peculiar da nossa cultura (isso sim). Buscando o dicionário descobri também que a gorjeta, um substantivo feminino que surgiu no fim do século XVIII, tem dois significados: dinheiro que se oferece a alguém como gratificação por um serviço prestado, ou ainda, bebida paga para pessoa que prestou algum serviço.
No entanto, é curioso observar a persistência de certas ideias. Ainda hoje, a gorjeta muitas vezes se faz acompanhar de uma frase como “isto aqui é para você tomar uma cervejinha”. Dizemos isso como uma forma de não constranger aquele que recebe a gorjeta, e que ela seja entendida apenas como um gesto de atenção: um mimo! Quem nunca usou esta expressão?
Pois bem, aqui no Brasil a gorjeta se institucionalizou: 10% nas prestações de serviços, a exemplo da hotelaria e restaurantes. Nos hotéis não há como sequer espernear, pois os sindicatos são eficazes nas cobranças e já está na nota fiscal de serviço. Nos restaurantes, as contas também já chegam com o valor calculado.
Como se furtar e não parecer ingrato diante de quem lhe serviu, mesquinho ou deselegante? E como agir com a manicure, ou o cabelereiro? Lembro de um tempo em que íamos já com a gorjeta separada, mas hoje não percebo, mesmo as madames abastadas, separar o extra para aquele profissional, afinal alguns serviços já são considerados exorbitantes. E na dúvida, damos uma de João sem braço: ignoramos. E fica por isso mesmo.
Às vezes, me pego pensando que a pedicure que frequento mensalmente, ganha mais que alguns profissionais da área de saúde, por consulta conveniada. Nestas horas fico revoltada. Afinal, não tem graduação, sem mestrado, doutorado, pós-doutorado ou Fellowship. Mas sabem se valorizar e se vender. Eles estão corretos e valem cada centavo que recebem, muitas vezes até acrescidas das gorjetas também. Deveríamos fazer um treinamento com aqueles profissionais e instituirmos as gorjetas, de caráter voluntário, como efetivamente deveriam ser, sempre, caso o paciente ficasse satisfeito com os nossos serviços poderiam nos oferecer um extra.
Fiquei pensando um pouco mais sobre isso e em mais de 40 anos de medicina, creio que pouquíssimas vezes, talvez conte nos dedos, eu recebi mimos. Talvez eu não os mereça mesmo. Afinal, os pacientes acreditam que não faço mais do que minha obrigação. Mas eles estão enganados! Sempre faço um pouco além, não por obrigação, não por zelo, mas por amor em servir. Até costumo dizer aos meus alunos da importância de ser um médico humilde, sem arrogância, sem soberba, destituídos do rei na barriga, pois só os humildes conseguem servir.
Mas já houve um tempo em que no final do dia o médico levava para casa, presentes como frutas, uma galinha ou um capão, ovos e até um porco ou uma ovelha. Aqueles mimos eram recompensa ou reconhecimento? O leitor que julgue. De qualquer sorte, acredito, termos tido um tempo de mais valorização do papel do médico. Hoje trata-se de uma mera prestação de serviços dentro de um mercado, regulado também pelas leis do consumidor. Temos que lembrar o que o pensador Wczandoni disse, e que nos remete ao ato médico vocacionado: o reconhecimento é algo que se conquista.
Mas vamos voltar para a gorjeta, por ser um tema mais leve, porém não menos sério. Na última viagem a São Paulo, percebi que na nota, a gorjeta incluída era de 13%. Ninguém questiona e tampouco se faz de tonto: todos pagam.
O leitor pode se perguntar o que faz com que alguém deixe uma gorjeta maior ou menor em um bar. Provavelmente, a resposta pode estar atrelada a qualidade do serviço prestado. Mas, pode ser simplesmente, pela obrigatoriedade. Enfim…
Certa feita, em uma road trip nas terras de Tio Sam, três cansadas senhoras chegam em um determinado destino e depois de estarem na estrada por cerca de quatro horas, todo o desejo delas se resumia em um pipiroom bem limpinho, antes de irem para o hotel onde tinham reserva em uma típica cidade texana. Tentar chegar ao hotel, era impensável. O melhor local era um bar-restaurante para satisfazer a inadiável necessidade fisiológica.
Sim, antes que você me pergunte: eu era uma delas. O cenário era de um bar de cena de um filme cowboy, com um balcão gigante. Sentamo-nos no balcão e solicitamos água para a motorista, um drink margarita para a outra menina e uma taça de um vinho Cabernet Sauvignon texano, para mim.
Sorvíamos os drinks, enquanto nos revezávamos em direção ao destino toilette. Perfeito!
Talvez você, caro leitor, entenda a urgência de uma bexiga muito cheia. É um alívio, alcançarmos o propósito de urinar. Mais que um alívio. É prazeroso.
Neste bar acabei aprendendo uma grande lição de etiqueta do American way of life. Lição que eu desconhecia totalmente. Eu já morei nos Estados Unidos e já estive por aquelas bandas em ocasiões diferentes, no mínimo uma doze vezes. Qualquer hora destas vou até conferir através dos meus passaportes que guardo como relíquias, por colecionar carimbos mundo afora. Mas, juro, desconhecia esta fina regra de comportamento.
As gorjetas nos EUA são pagas separadas da conta, e eles sugerem 15%, 18% e 20% como obrigatórias, e já vem calculadas naqueles percentuais. São elegantes e ninguém ousa ignorar a regra. Aliás, certos trabalhos, tanto na América quanto por aqui, são bem remunerados, não pelo empregador em si, mas graças as gorjetas advindas da clientela. Eu sempre fui generosa, naquela e em outras viagens. E o leitor vai me perguntar, “afinal, qual foi então a lição?”
Cometi um pecado absurdo, caro leitor: dei a gorjeta em moedas. Sim, você pode abandonar o troco em moedas, mas jamais tirar moedas da bolsa e oferecê-las.
Eu descobri que era inadequado, só depois que já tinha feito. A razão é que se por acaso uma moeda cai, o garçom terá que se abaixar para catá-las e isso é considerado, na cultura deles, humilhante.
Preciso pensar sobre isso, pois a princípio, achei meio exagerado, mas talvez possa fazer algum sentido. O que o leitor acha?
Ninguém na América, deixa de lhe dar todos os centavos, com a desculpa de que não tem troco, como acontece com naturalidade no Brasil. Lá também você não leva o produto para casa, se, por acaso, faltar no seu bolso, um centavo. A moeda é valorizada e levada a sério. Talvez por isso, entre outras razões, por óbvio, o dólar seja uma das moedas mais fortes do mundo e a América o país mais rico do mundo (18,62 trilhões de dólares).
No Brasil sequer temos o hábito de ter um porta-moedas na bolsa, como os americanos possuem, e abandonamos todos os centavos de Real em qualquer lugar. O Banco central estima que o brasileiro engaveta e abandona 36% das nossas moedas, que acabam ficando fora de circulação.
Mas acho que fui perdoada pela garçonete Rita, pois de uma conta de 10 dólares pela taça de vinho, eu dei 3,5 dólares de gorjeta em moedas e nenhuma caiu no chão.
Fui deselegantemente generosa.
De qualquer sorte, quando minha amiga me advertiu, era tarde, e já estávamos longe do bar. Fiquei constrangida, não nego, mas era fato consumado e já estávamos na calçada dando risadas. Rimos demais sobre o vexame que dei.
Próximo destino, será Paris e já estudei sobre os franceses e o hábito das gorjetas em euro. Dá quem quer, zero de obrigatoriedade, e as moedas são muito bem-vindas.
Viva a França!
originalmente do JLPolitica.com.Br