Maconha: o que é que eu e você temos a ver com isso?

“Toda forma de vício é ruim, não importa que seja droga, álcool ou idealismo”
Carl Jung

Se você usa maconha, é negro, de baixa classe social, se for preso portando maconha, você provavelmente irá em cana como traficante. Tratamento diferente receberá o garotão de olhos claros, boa pinta e filhinho de papai.

Parlamentares conservadores dizem se preocupar muito com a maconha, mas a pior droga é a desigualdade social. É sobre isso que o plenário do Supremo Tribunal Federal vai retomar a discussão e os votos na próxima quinta-feira, 17 de agosto de 2023.

É uma votação que pode descriminalizar o porte de maconha no Brasil. Os últimos votos foram proferidos no dia 2 de agosto, quando a questão da descriminalização das drogas foi discutida, mais precisamente sobre a sua posse individual.

Para alguns, esta matéria deveria ser da alçada apenas do Legislativo e que não caberia ao STF decidir sobre o tema, por trata-se de uma pauta sensível que já vem sendo trabalhada com diversos projetos que estão tramitando no Senado e na Câmara e, mais, esta iniciativa do STF deturparia a competência do Legislativo.

Ora, ora, ora, caro leitor, se o tema é tão importante para as duas casas do Congresso, por que eles não tomaram as rédeas antes? O Judiciário está julgando justamente por falta de proatividade do Legislativo. Bom lembrar, inclusive, que este processo estava parado desde 2015.

Aliás, isto – de o Judiciário legislar – tem acontecido com muita frequência com várias pautas, e os parlamentares, coitados, sentem-se atropelados pelo STF que busca por resolutividade, nestas condições, enquanto aqueles estão trabalhando arduamente em função de outros interesses mais rentáveis e de maior visibilidade para as suas bases, como por exemplo, negociar o apoio ao governo Lula através de emendas franciscanas – é dando que se recebe -, viabilizadas pelo Centrão e o maior líder já visto neste país: Arthur Lira.

Aqui cabe uma ressalva, caro leitor: entenda Centrão como um conjunto de partidos políticos que não possuem necessariamente uma orientação ideológica, mas tem como marca o objetivo de assegurar uma simbiose com o Poder Executivo e assim garantir vantagens que lhes permitem distribuir privilégios através de redes clientelistas.

Mas voltemos ao tema central deste texto: o julgamento no STF gira em torno da constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343 de 2006. A norma considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal. Este julgamento, portanto, pode concluir que a posse individual de drogas deixará de ser crime.

Gilmar Mendes, o relator da ação, em 2015, votou para descriminalizar o porte para consumo de forma ampla, sem especificar as drogas. Naquela época votaram Edson Fachin e Roberto Barroso e agora foi a vez de Alexandre Moraes.

Ou seja, já são quatro votos para deixar de se considerar crime o porte de maconha para consumo próprio. Moraes propôs um critério para diferenciar usuários de maconha de traficantes da droga: a posse de uma quantidade de 25 a 60 gramas ou de seis plantas fêmeas.

O voto do magistrado diz que policiais podem fazer a prisão em flagrante de pessoas que estejam portando uma quantidade menor do que a prevista, “desde que, de maneira fundamentada, comprovem a presença de outros critérios caracterizadores do tráfico de entorpecentes”. Ou seja, Moraes entende que a fixação de quantidade de droga apreendida não deve ser o único critério para diferenciar usuário de traficante.

Mas o importante do que trago hoje aqui é a compreensão de que se faz necessário garantir a aplicação “isonômica” da Lei. Moraes entende que a regra não atinge a todos de forma igualitária, mesmo para situações idênticas.

Segundo o ministro, as consequências dependem da classe social, idade, cor, ou grau de instrução de pessoas que são presas em flagrante. Este é o cerne da questão.

O ministro vai além dizendo que “o critério deve, caso a caso, ser analisado com base em outras variáveis complementares”. Por exemplo, a forma como está condicionado o entorpecente, a diversidade de entorpecentes, a apreensão de outros instrumentos, como balança, cadernos de anotação, locais e as circunstâncias da apreensão”.

Gilmar Mendes avalia que a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos, além de gerar uma punição desproporcional.

O ministro afirmou em seu voto, que a lei no Brasil oferece tratamento distinto aos diferentes graus de envolvimento na cadeia do tráfico, mas não faz distinção entre usuário e traficante e todos acabam classificados simplesmente como traficantes.

Essa necessidade de diferenciar usuário de traficante precisa ser legislada, uma vez que não existem ainda parâmetros descritos, algo que o nosso zeloso Congresso precisaria definir e regulamentar no futuro.

Gilmar alerta para os incautos que a descriminalização do uso não significa a legalização ou liberalização da droga. Só para fechar este texto, não sou a favor das drogas, e nem tampouco os nossos ministros.

Mas é hora de encarar o usuário como alguém que carece de cuidados em saúde e que jamais seja confundido ou punido, como se fosse um traficante. Este usuário pode ser seu sobrinho, seu filho ou o seu neto. Zelemos por eles, encaminhando para tratamento e nunca para a prisão.

originalmente do JLPolitica.com.Br

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