“O segredo da felicidade não se encontra na busca por mais, mas sim no desenvolvimento da capacidade para desfrutar de menos” Sócrates
Puxa vida! Mais uma vez a Mega-Sena acumulou e eu fico imensamente tentada a passar em uma casa lotérica e fazer a minha fezinha. Mas quando acidentalmente passo por alguma e vejo as filas absurdas e penso no tempo que perderei, rapidamente desanimo e escolho perder, deliberadamente, o grande prêmio.
Geralmente eu só faço apostas quando o prêmio é muito grande. Na virada do ano, por exemplo. Não sei qual é a lógica disso, pois a sorte é a mesma o ano inteiro – suponho -, mas o meu cérebro me oferece comandos e justificativas de que sendo o prêmio grande, ainda que divida com outros ganhadores, as chances são maiores da minha vida e a de alguns no meu entorno serem organizadas caso eu seja a vencedora deste grande sorteio.
A verdade é que as chances são infinitamente mínimas, sempre. E eu acabo teorizando, como na fábula da raposa e das uvas verdes, que dinheiro não traz felicidades.
Bem, querido leitor, este é um caminho proposto por Sócrates, que pensava que a felicidade não deveria basear-se em conquistas ou coisas externas, como ganhar na Mega-Sena, mas na forma como estas coisas adquiridas ou conquistadas poderiam ser usadas pelo sujeito, como por exemplo, ter recursos financeiros e exercer a generosidade e fazer doações, ou ainda usar seu potencial cognitivo e inteligência para o bem.
Gente, mas eu me proponho a fazer caridade mediante este baita prêmio da loteria e será que por isso eu seria recompensada, portanto, com a felicidade genuína por servir ao próximo?
Mas voltemos à Sócrates que buscava uma resposta para as inquietudes do homem: o que é o bem? O que é a justiça? O que são as virtudes? O que traz a felicidade?
O método socrático consistia, portanto, na arte de perguntar, vinculada à consciência do homem com os seus valores e com os preconceitos da sociedade. As respostas teriam que ser individuais e passando pelo seu aforisma “conhece-te a ti mesmo”.
Será que eu me conheço o bastante? Será que décadas de análise fazem alguém efetivamente saber tudo sobre si mesmo? Ora, ora, ora, querido leitor, ninguém sabe de si o bastante.
Gosto de repetir o meu já conhecido bordão: “você diz coisas que não quer dizer, faz coisas que não quer fazer, sente coisas que não quer sentir, pensa em coisas que não quer pensar. Conclusão: não se conhece”. Há uma zona cinzenta na qual você se confronta com o desconhecido que mora dentro de você.
Talvez a maior lição socrática para ser feliz seja questionar-se sempre, e buscar de forma objetiva as respostas para as perguntas simples que nos inquietam, nos levando a um aprendizado constante diante da vida, em um exercício de humildade.
Sócrates sempre nos dirá aquele seu “só sei que nada sei”. Portanto busque, insista, persevere para encontrar as suas próprias respostas. O outro jamais poderá responder por você.
Sócrates estimulava que cada um aprendesse a pensar por si próprio, pois a verdade é sempre plural e ao mesmo tempo única, ela é singular para cada um e sempre será inatingível por estar escondida dentro do sujeito.
E mais: ela muda a todo instante, porque o mundo nos afeta, os amigos, os amores, um filme, uma canção, um prêmio milionário – pensamento reforçado por Nietzsche. E o que nos afeta pode nos fazer felizes ou muito infelizes.
O pioneiro do roqueiro brasileiro, Raul Seixas (1945-1989), ilustra isso:
Quero dizer agora o oposto do que eu disse antes
Prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo
Sobre o que é o amor
Sobre que eu nem sei quem sou
Se hoje eu sou estrela, amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio, amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator
O ser humano é insatisfeito por natureza. O que desejamos hoje, já não nos atende amanhã. O nosso desejo desliza, nunca se satisfaz. No máximo se realiza – teoria freudiana: estamos sempre em processo de evolução e transformação.
Usamos máscaras e somos atores. Enganamos até a nós mesmos. Não nos sabemos. Somos verdadeiras metamorfoses ambulantes, como sugerido pelo nosso saudoso Raul Seixas.
E o sonho da felicidade via loteria, será que nos faria mais completos, mais donos do próprio eu, ou nos transformaria magicamente em pessoas mais felizes?
Vi recentemente um estudo científico que revelava que ganhadores de prêmios financeiros robustos, como a Mega-Sena, ainda que tenham tido mudanças importantes no estilo e qualidade de vida, não passaram a experimentar a sensação de felicidade maior do que as pessoas em geral.
O que é pior é que os sortudos da loteria se regozijam de um prazer e um felicidade tão intensos e descomunais no momento do prêmio que este fato rouba de si a alegria mágica e maior, dali em diante, de pequenas recompensas e satisfações do dia a dia após sorteio, como jogar conversa fora com os amigos, dar muita risada, beber um honesto e bom vinho, trocar olhares e toques românticos, assistir a um filme de mãos dadas com o seu amor, brincar no chão com os netos. Estas, sim, são coisas que de fato nos fazem ter a percepção e o gozo de uma felicidade plena.
Agora resta apostar que você que jogou hoje na Mega-Sena, de acordo com os cálculos matemáticos, provavelmente não levará o grande prêmio. Entretanto, todos os dias você tem milhares de chances de ser feliz. Basta valorizar e celebrar a vida.
E aí, leitor, vai fazer uma fezinha na sorte da loteria, ou vai apostar na felicidade que as coisas simples podem lhe oferecer?
originalmente do JLPolitica.com.Br