Minha virada de chave: quando a pandemia me fez resgatar a médica que eu sempre fui

“A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente.” Søren Kierkegaard

A pandemia de Covid foi um marco na vida de todos nós. Trouxe desafios que nos forçaram a olhar para o mundo – e para nós mesmos – de forma diferente. Para mim, ela foi como um espelho, refletindo perguntas que eu evitava responder.

Quem eu era naquele momento? E quem eu queria ser dali em diante? A pandemia não apenas mexeu com o mundo ao meu redor, mas me fez revisitar algo profundo e adormecido: a médica que eu sempre fui.

Por décadas, construí minha carreira como psicanalista. Dediquei-me a ouvir e acolher as dores emocionais de meus pacientes, ajudando-os a encontrar sentido e alívio para suas angústias.

Mas, em meio à pandemia, as necessidades que batiam à minha porta começaram a mudar. As dores emocionais estavam mais intensas, mas vinham acompanhadas de dores no corpo, de noites insones, de uma urgência por orientação prática.

Não era mais suficiente ouvir e acolher. Meus pacientes precisavam de algo mais – e, no fundo, eu sabia que podia oferecer. E foi nesse momento que a frase de Kierkegaard ecoou em mim: “A vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente”. Olhei para minha trajetória, para a médica que escolheu essa profissão há quase 50 anos, e percebi que era hora de virar a chave.

A verdade é que eu nunca deixei de ser médica. Mesmo enquanto dedicava minha vida à psicanálise, a essência da Medicina – o desejo de cuidar das pessoas em sua totalidade – sempre esteve comigo. No entanto, durante a pandemia, essa essência começou a pulsar mais forte.

Os desafios que meus pacientes enfrentavam exigiam mais do que uma escuta atenta. Exigiam ação. Muitos deles vinham com ansiedade extrema, insônia crônica, dores físicas que não pareciam ter explicação, mas que carregavam o peso do estresse e da exaustão emocional. Eles não queriam apenas ser ouvidos. Queriam ser cuidados de forma integral.

Foi aí que percebi que precisava resgatar a médica que estava adormecida dentro de mim. Não para substituir a psicanalista, mas para ampliar meu alcance. Afinal, cuidar da mente e do corpo não são caminhos separados – são faces da mesma moeda.

Durante a pandemia, a prática da telemedicina me trouxe algo transformador. Ao atender pacientes à distância, percebi como a boa Medicina não está nos exames rápidos ou nas consultas apressadas. Ela está na escuta atenta e humanizada, na capacidade de enxergar o paciente como um todo. Na construção de um diálogo que acolhe e orienta.

Essa experiência reacendeu em mim um propósito que eu havia deixado em segundo plano. Era hora de unir a Psicanálise e a Medicina, de integrar o que eu sabia e o que eu sentia que faltava. Nascia ali o conceito que hoje me guia: a Medicina Integrativa.

A Medicina Integrativa, para mim, não é apenas uma abordagem, mas uma filosofia. Ela não se trata de uma especialidade, mas de um olhar que vê o paciente em sua complexidade, entendendo que o corpo e a mente estão profundamente conectados. É o resgate da Medicina que escuta, que acolhe e que cuida, sem pressa e sem fragmentação.

Se tem algo que aprendi como psicanalista, é o poder da escuta. Escutar de verdade exige presença, atenção e respeito pelo que não é dito. Durante a pandemia, percebi que essa habilidade era meu maior diferencial – e minha maior aliada na prática médica.

Meus pacientes não queriam apenas respostas rápidas, receitas ou diagnósticos. Eles queriam se sentir ouvidos, compreendidos, acolhidos. E é isso que eu ofereço: consultas longas, onde o paciente pode falar e onde eu, como médica e psicanalista, posso unir ciência e escuta para entender o que ele realmente precisa.

E, ao mesmo tempo, percebi que essa transição não era apenas sobre eles – era sobre mim também. Era sobre reconectar-me com o meu propósito original, sobre unir o passado e o futuro de forma que fizesse sentido.

Hoje, olhando para trás, entendo que a pandemia foi mais do que um evento global – foi um momento de virada para mim. Não foi apenas um chamado, mas uma oportunidade de reinventar minha prática, de ampliar meu olhar e de oferecer mais aos meus pacientes.

Meu propósito é claro: ajudar as pessoas a enfrentarem questões como ansiedade, insônia, estresse e dores emocionais, mas também ajudá-las a viver com mais equilíbrio e qualidade de vida. Quero ser uma médica que cuida da mente e do corpo, que entende o ser humano em sua totalidade.

E, como Kierkegaard nos lembra, só podemos compreender a vida olhando para trás. Hoje, eu entendo que cada etapa da minha trajetória – da escolha pela Medicina à dedicação à Psicanálise – me trouxe até aqui. Mas só podemos viver a vida olhando para frente. E é isso que eu faço agora: sigo em frente, renovada, com o desejo de transformar vidas.

Caro leitor, e você? A pandemia também trouxe mudanças à sua vida? Talvez tenha sido um convite para desacelerar, para olhar para dentro, para reencontrar algo que estava perdido. Às vezes, precisamos de um momento de ruptura para lembrar quem somos – e o que queremos ser.

A reinvenção não é uma fraqueza, mas uma força. Se você sente que é hora de virar a chave, não hesite! Se você sente que precisa de apoio para essa jornada, saiba que não está sozinho. Estou aqui para ouvir sua história, compartilhar minha experiência e, quem sabe, ajudá-lo com o meu próprio exemplo, a encontrar o seu novo caminho.

originalmente do JLPolitica.com.br

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