“Ritalina, a droga legal que ameaça o futuro”
Roberto Amado
Eu nunca tinha recebido tanta gente no consultório, como na atualidade, querendo definir diagnóstico de TDAH. Você sabe o que significa esta sigla? Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
As pessoas chegam dizendo que estão cometendo erros bobos, que tem dificuldades de prestar atenção nas tarefas e ou nas aulas, que estão desorganizados com relação às suas rotinas e atividades.
Chegam dizendo que postergam tarefas porque não têm foco para seguir as regras necessárias e perdem prazos, perdem coisas tipo celular, livros, óculos e documentos.
Por qualquer coisa, perdem o foco e se distraem e o pensamento viaja. Esquecem de pagar as contas, só chegam atrasados nos compromissos, pois não conseguem gerenciar o seu tempo, nunca lembram de retornar as ligações.
Gente, se você levar a sério alguns destes sintomas, alguns próprios da modernidade, facilmente você irá se identificar, inclusive eu.
E mais: às vezes é o próprio psicólogo que acha que é TDAH e encaminha para um médico, e acontece também com o médico generalista, e se brincar os psiquiatras mais apressados engolem mosca também.
Bom deixar claro que ter traços ou características de TDAH não significa ter este transtorno. Ou seja: devo lhe dizer que tudo isso não é específico do TDAH.
Eu lembro da minha turma de Medicina, quando em cada disciplina que passávamos tínhamos a tendência de nos diagnosticar e ficávamos meio loucos na nossa hipocondria típica de estudantes. Vou além: na hipocondria típica de quem tem acesso a muitas informações.
Agora, imagine você, um rato de internet, que recebe mensagens intrusivas no seu computador ou smartphone, com anúncio de cunho apelativo, questionando se ultimamente está tendo dificuldades no trabalho ou estudos, apesar do seu grande empenho e lhe oferece uma avaliação gratuita, onde você investe não mais do que um minuto para confirmar o seu diagnostico provável de TDAH e depois oferece ainda uma oferta irrecusável de um jogo digital que tem o objetivo de “reativar” o seu cérebro.
Existe uma máquina por trás destes diagnósticos recorrentes em adultos. É a indústria dos fármacos em ação e a droga mais conhecida que você, caro leitor, já ouviu falar, é a famosa Ritalina.
O medicamento tem como princípio ativo o metilfenidato, substância química estimulante que ajuda a focar e contribui para a capacidade de concentração.
Com o advento da proliferação e distribuição destes psicofármacos por prescrições médicas ou pela venda contrabandeada de produtos, desde outubro de 2022 a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA – U.S. Food and Drug Administration – anunciou uma escassez nacional de sais mistos de anfetaminas, registrando um aumento sem precedentes nas prescrições de estimulantes.
Nos dias atuais, com os sites de busca, pesquisamos tudo que desejarmos e o excesso de informação embaralha nosso julgamento e discernimento por falta de um filtro crítico. Nem todas as informações que estão na internet são verdadeiras. Excesso de informações adoece.
Sim, o leitor pode me perguntar agora: mas, e finalmente, os sintomas citados na abertura deste texto, que fazem interface com a desatenção, são ou não são de TDAH? A resposta é sim e talvez não.
Bom lembrar que este diagnóstico deve ser feito lá atrás, pois o início se dá antes dos 12 anos e estas manifestações devem estar presentes em ambientes diversos: no trabalho, na escola, em casa.
Esse transtorno pode levar a um atraso no desenvolvimento motor, social e até linguístico, que pode favorecer uma certa rejeição social.
A partir daí, outros riscos podem advir, como transtorno de conduta e de personalidade antissocial e o uso de substâncias.
Enfim, mesmo lá atrás a gente tem que fazer diagnóstico diferencial com um Transtorno de Oposição Desafiante -TOD – que merece ser abordado aqui em um outro dia, transtorno do neurodesenvolvimento, transtorno explosivo intermitente, transtorno específico de aprendizagem, ou até uma deficiência intelectual.
E nem falamos da letra H da sigla TDAH. O H dessa questão diz respeito a hiperatividade, uma atividade motora excessiva – conversa demais, batuca ou tamborila na mesa, cansa as pessoas que estão ao seu redor com sua inquietação extrema, se remexe muito na cadeira e não consegue ficar sentado por muito tempo. Geralmente se vê isso com mais frequência na criança e no adolescente.
Quando o médico recebe um adulto, graduado e pós-graduado, estudando para concurso, dizendo ter TDAH, eu desconfio. Com este diagnóstico, certamente ele não teria chegado tão longe na sua formação acadêmica.
Talvez ele esteja entediado, cansado e desmotivado com os estudos sem fim. Talvez esteja com um quadro agudo de estresse e ansiedade, um transtorno bipolar e até mesmo depressão.
Não esquecer o transtorno por uso de substâncias e até mesmo um transtorno de personalidade. Talvez, talvez… posso pensar que a desatenção pode apontar para múltiplos transtornos.
Mas o modismo estraga e atropela tudo. O modismo do uso de psicoestimulantes está disseminado e consegue-se o fármaco no mercado negro com facilidade e quando ele já é usado por colegas, amigos e irmãos, o sujeito experimenta com facilidade a sua amostra grátis e a descreve como algo fantástico.
Estudos mostram que Ritalina não promove melhora cognitiva em pessoas saudáveis, mas infelizmente o fármaco tem sido comprado por elas para potencializar o foco e a produção.
Susan Greenfield é uma neurocientista britânica que afirma que “a necessidade de um remédio que aumente a dopamina no cérebro é consequência direta do modo de vida contemporâneo muito intenso e rodeado de telas (que elevam os níveis de dopamina): quanto mais dopamina, mais infantil o cérebro, menos noção de sentido, tempo, significado. As telas aumentam a dopamina. É a excitação potencializada do momento, comum no cérebro infantil. A pressão dos sentidos domina o mundo atual. Quanto mais excitante a experiência, mais dopamina. São mecanismos doentes”.
A Ritalina estimula a liberação de dopamina, que é um neurotransmissor – substância química produzida pelos neurônios -, responsável pela sensação de prazer e pela sensação de motivação. A dopamina, portanto, é frequentemente associada aos usuários de drogas, por causar dependência.
Estudos comprovam que o uso contínuo das telas eleva o nível de dopamina, o que estaria resultando na necessidade da Ritalina fora da tela. Existem pesquisas que demonstram o aumento de doenças de falta de atenção por uso abusivo de computadores e videogames, as vezes com mais de 10 horas diárias, mostrando efeito significante e correlação com anormalidades em exames de imagens cerebrais, como problemas de foco, hiperatividade e estresse.
Bom lembrar que os psicoestimulantes deixam os ansiosos mais pilhados e impulsivos ainda. Ou seja, pioram o quadro de ansiedade e tem efeitos muitas vezes indesejáveis no corpo com sintomas físicos, a exemplo da taquicardia e arritmias.
Às vezes, há também uma simulação, pois alguns diagnósticos declarados em um relatório médico podem trazer benefícios secundários nas provas de concurso, como por exemplo, mais tempo que o habitual para responder as questões.
O diagnóstico de TDAH em adultos é muito complexo e requer um profissional de saúde habilidoso, bem treinado, e essencialmente disponível para investir o tempo necessário para coletar minuciosamente o histórico do paciente.
A proposta é escutar mais os nossos pacientes, e para isso proponho consultas mais longas, sem a tentação de prescrever um psicoestimulante nos primeiros 15 minutos da entrevista. Portanto, abaixo a ditadura da Ritalina!
originalmente do JLPolitica.com.Br