Diante da tarefa impossível de ser realizada, supervisionar psicanalistas, percebemos de forma inexorável, limitações que a psicanálise nos impõe. E começam os questionamentos. Questionamento acerca do que é fazer psicanálise e se a psicanálise pode ser ensinada, já que não pode ser transmitida da mesma maneira que a medicina, por exemplo. E sem dúvida um dos maiores recursos para se abordar o momento da dúvida, da resistência e da contratransferência, da interpretação e do furor curandis do psicanalista, é o espaço, ainda que restrito, da supervisão.
A transmissão em psicanálise é única e é exclusivamente a transmissão de uma experiência analítica e, portanto, pertence ao campo do testemunho. Não se transmite o ato psicanalítico. Ele é sempre uma criação singular vinculado mais à ética do que a técnica.
Tentando levantar os critérios da supervisão nos deparamos com a ausência deles e nos defrontamos com o fato de que a supervisão, esta sim, é que é um dos critérios da formação psicanalítica, instituído desde a fundação da Policlínica Psicanalítica de Berlim por Max Eitingon, em março de 1920, e que é hoje exigido por todas as instituições, na medida que o desejo de ser analista por si só, não dá ao candidato as devidas qualificações para tal e tampouco não basta ser analisado para tornar-se um psicanalista.
A prática da supervisão, no entanto, ela é anterior às exigências de ordem institucional, como uma demanda espontânea daqueles que se encontram em dificuldades na sua clínica e como bem é atestado desde os primórdios pela correspondência entre Freud e seus discípulos e mantida como prática dentro e fora das instituições até então.
Com Max Eitingon a supervisão tinha um rigor que passava, de fato, pelo controle, na medida mesmo em que o supervisor era o responsável pelo “caso” do supervisionado podendo até mesmo em condições extremas assumi-lo se considerasse que o seu pupilo não tinha ainda condições para tal.
O termo controle, portanto, deve ser abolido por remeter a ideia da supervisão a um domínio de um terceiro, tal qual no passado, criando-se impasses que longe de ajudar o jovem psicanalista, aumentam seus conflitos, na medida que a análise em curso está sendo levada pelo analista de controle, através das interpretações progressivamente impostas.
Já se vão muitos anos de análise, estudos e supervisões desde o Instituto de Berlim. E há muito que já nos damos conta que a transmissão da psicanálise passa ao largo da pedagogia ao renunciar a um conhecimento “pronto” em favor de um outro “por vir”.
Foi Michael Balint em 1948 que nos apresentou ao conceito de “trabalho prático sob supervisão”. A prática se propunha a ajudar o jovem psicanalista, sem se pôr como vigilante tampouco, a se desvencilhar das identificações com o seu analista e da vigilância do próprio superego, ou ainda, o supervisor ajudaria o jovem analista a se desembaraçar do estilo do seu analista e do seu próprio (supervisor) e quem sabe, renunciar à possibilidade de adotar qualquer outro.
O encontro com a prática de analistas diferentes que não o seu próprio analista, é a possibilidade de não o fazer prisioneiro de um só mestre, a partir de novas identificações menos conflituosas e ainda, oportunizaria, ao jovem psicanalista, a chance de se desfazer das idealizações e identificações narcísicas, talvez não de todo, mas ao menos percebê-las e por vezes, evitar as ciladas por elas armadas.
O termo supervisão nos remete, portanto, a uma práxis referida a um terceiro, que não é responsável pelo “caso” em questão, como antes, e promove diante desta testemunha, a possibilidade para que o jovem psicanalista se confronte, mais uma vez, com o rochedo da castração, através das vicissitudes que a clínica lhe impõe.
Pimentel, D. Os impasses da supervisão, in Formação de Psicanalistas. Ed: CEFET-SE, 2004, p.71-81.