O estranho que nos habita: uma reflexão sobre o envelhecimento

Envelhecer é como escalar uma grande montanha: enquanto se sobe, as forças diminuem, mas o olhar é mais livre, a vista mais ampla e serena.

Ingmar Bergman

Bem-vindos de volta, prezados leitores! Hoje, embarcamos na segunda parte da nossa resenha sobre o livro “O Adulto Maduro no Divã: Ampliações Teóricas” de Adriana May de Mendonça e Denise Martinez Souza. Preparem-se para mergulhar em um dos temas mais fascinantes e, por vezes, desconcertantes da psicanálise: o conceito do “estranho” que habita em cada um de nós, especialmente à medida que envelhecemos.

Freud, o grande mestre da psicanálise, era um verdadeiro detetive da mente humana. Ele tinha uma habilidade incrível para desvendar as causas ocultas do nosso sofrimento, explorando aquilo que muitas vezes preferimos deixar debaixo do tapete. Mas, como o próprio Freud nos ensinou, o que está recalcado sempre encontra um jeito de emergir.

Freud descreveu o “estranho” como algo que deveria ter permanecido oculto, mas que surge de maneira inesperada, causando desconforto. Imagine só, você se olha no espelho e vê uma versão mais velha de si mesmo. Quem é essa pessoa? É como se uma parte de você se tornasse um desconhecido. Otto Rank, um dos alunos de Freud, ampliou essa ideia ao falar sobre como nos protegemos da morte projetando essas sensações em sombras, espelhos e crenças na alma imortal.

Lembram do “velho do saco” que aterrorizava nossa infância? Essa figura é um exemplo perfeito de como a velhice pode ser vista com estranheza e medo. Simone de Beauvoir, em suas reflexões, descreveu o envelhecimento como uma surpresa constante, um assombro ao nos depararmos com o corpo envelhecido que não condiz com a nossa vivência interna.

Aqui entra a epígrafe de Bergman. Envelhecer é como escalar uma montanha: as forças podem diminuir, mas o olhar se torna mais amplo e sereno. Essa perspectiva é essencial para lidarmos com as mudanças que o tempo nos traz.

A literatura, a prosa e a poesia são nossas aliadas na aproximação do estranho. Elas nos permitem explorar e entender o envelhecimento de maneiras profundas e emocionantes. Otto Kernberg sugere que uma clínica específica para adultos maduros, focada nos transtornos de personalidade na velhice, pode ser extremamente benéfica.

As autoras nos falam sobre Olavo, um senhor de 78 anos que, como muitos, enfrentou mudanças significativas em sua sexualidade. Essas mudanças impactaram sua confiança pessoal e conjugal. Trabalhar com esses aspectos contratransferenciais é crucial para ajudar indivíduos como Olavo a lidar com a sexualidade na velhice de maneira saudável.

Envelhecer é um desafio, um verdadeiro enigma que precisamos decifrar. Freud encarou a velhice com resiliência, continuando a criar e trabalhar até o fim de sua vida. Para ele, o envelhecimento era uma perda de elasticidade psíquica, mas isso não o impediu de seguir em frente.

Winnicott, por outro lado, nos lembra da importância do brincar para a construção e reconstrução do self. A criatividade não é apenas para crianças; é vital também na velhice.

Ah, o narcisismo! Freud introduziu esse conceito para descrever nossa relação com o eu e o objeto. Na velhice, essa relação se transforma. A libido que antes estava voltada para o eu jovem e idealizado precisa ser redistribuída para aceitar o eu envelhecido. Isso é crucial para manter a autoestima e a autoimagem.

A estranheza do envelhecimento nos força a confrontar a realidade e a reavaliar nossa identidade. Mas, como diria Bergman, ao subir a montanha da vida, nosso olhar se torna mais amplo e sereno. A sociedade também tem um papel importante: precisamos valorizar as contribuições dos idosos e ajustar nossas expectativas culturais para apoiar uma visão positiva do envelhecimento.

E assim, chegamos ao fim desta jornada pelo “estranho” e pelo envelhecimento. Lembrem-se, meus queridos leitores, que continuar se movendo, adaptando-se e encontrando novas formas de expressão e criatividade é a chave para um envelhecimento saudável e pleno.

Até a próxima, e que continuemos escalando a montanha da vida com sabedoria e humor!

originalmente do JLPolitica.com.br

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