“Todo comportamento humano é composto por duas coisas: fugir da dor e ir em direção ao prazer. É um ciclo”
Império da Dor
Episódio 1. A série “Império da Dor” é sucesso absoluto no mundo inteiro, comentada por gregos e troianos, inclusive pelos próprios médicos que acham que não são cúmplices da indústria quando recebem passagens e hospedagens para eventos para os quais não vão ser conferencistas.
Você já assistiu? Não? Então corra lá e veja com seus próprios olhos o que a ganância humana é capaz. A série é curtinha, muito oportuna e reveladora. Este tema é recorrente nas minhas aulas de Ética Médica na Universidade Federal de Sergipe.
Enfim, a séria traz à tona a história conturbada da indústria de opioides nos Estados Unidos e o papel dos Sacklers, uma das famílias mais poderosas do país nesse cenário. O modus operandi da família, apesar de acontecer em solo americano, tem ecos em diversos cantos do mundo, incluindo o Brasil. No coração dessas histórias, encontra-se um elemento em comum: conflitos de interesse que levam à tragédia e à devastação.
O caso Sackler, como mostrado na série, revela como o capital pode influenciar decisões que colocam em risco a vida de milhares de pessoas. O uso indiscriminado de medicamentos potentes, como o OxyContin, e os mecanismos escusos de marketing utilizados para impulsionar as vendas são aspectos que nos fazem questionar até que ponto os interesses financeiros podem obscurecer a ética e a moral.
No Brasil também temos nossos exemplos de conflitos de interesse que afetaram a saúde e o bem-estar da população. Embora o contexto seja diferente, a essência permanece similar.
Um dos casos mais notórios foi o escândalo da “Máfia das Próteses”, que você deve ter acompanhado ou ouvido falar, em que médicos, em conluio com empresas de equipamentos médicos, hospitais e fornecedores, realizavam cirurgias desnecessárias ou indicavam próteses mais caras com o objetivo de obter vantagens financeiras. A saúde do paciente era relegada a segundo plano em prol de ganhos financeiros.
A pesquisa “Physicians and Conflicts of Interest”, que fiz no meu doutorado e que foi publicada no International Journal of Clinical Medicine, nas terras do Tio Sam já há alguns anos, nos fornece um panorama detalhado desses conflitos, que permanecem muito atuais, infelizmente, evidenciando a necessidade de uma ética renovada no setor.
O termo conflito de interesses geralmente se refere a situações em que o julgamento profissional sobre uma ação primária é indevidamente influenciado por um interesse secundário, geralmente financeiro. No contexto médico, isso se traduz em recomendações que beneficiam mais o profissional ou a indústria do que ao próprio paciente.
Nos Estados Unidos, os Sacklers, por meio de práticas de marketing agressivas e falta de transparência sobre os riscos associados ao OxyContin, comprometeram a saúde de inúmeros americanos em prol de lucros astronômicos. A estratégia de marketing da família, focada em convencer os médicos a prescrever seu produto, demonstra uma tática familiar: a influência direta sobre os prescritores.
A relação entre médicos e a indústria farmacêutica no Brasil é marcada por “jabás” e outros incentivos, muitas vezes encobertos por palestras, congressos ou viagens patrocinadas. Esta relação mutuamente benéfica obscurece a linha entre a indicação de um medicamento devido à sua eficácia e a recomendação movida por benefícios pessoais. Atenção: nunca é demais lembrar que o nome disso é propina e que se trata de corrupção passiva, passível de cadeia.
A minha pesquisa feita aqui, nas terras do Cacique Serigy, revelou a profundidade dessas relações entre médicos e a indústria e a necessidade de transparência e regulação mais rigorosas para proteger os pacientes e garantir que as decisões médicas sejam tomadas com base exclusivamente no melhor interesse do paciente.
Tanto a narrativa de “Império da Dor” quanto as realidades expostas por mim, naquele artigo que parecia caduco, demonstram a necessidade urgente de abordar os conflitos de interesse que permeiam a Medicina.
A ética médica deve ser o pilar que sustenta a prática, assegurando que os pacientes recebam o melhor tratamento possível, livre de influências externas.
A responsabilidade recai sobre reguladores, a comunidade médica e a sociedade para garantir que a saúde e o bem-estar dos pacientes estejam sempre em primeiro lugar. Minha esperança são as novas gerações, ainda que o meu problema seja o tal currículo oculto.
originalmente do JLPolitica.com.Br