No meu último ano de graduação do curso de Medicina da Universidade Federal de Sergipe, aos 23 anos de idade, decidi sair de Aracaju e fui morar em Salvador, onde fiz o internato, e com o objetivo específico de fazer Psicanálise e formação psicanalítica. Quem me deu as primeiras informações sobre o Círculo Psicanalítico da Bahia, foi a colega, Arlúcia Fauth, residente de psiquiatria, nos corredores da Ala 3B, do Hospital Prof. Edgard Santos, e que era analisanda do grande psiquiatra, professor do curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Dr. Adilson Peixoto Sampaio.
Fui ao consultório de Adilson, analista titular do Círculo da Bahia, na Rua João das Botas, e solicitei uma consulta. Era o ano de 1982. Achei esquisito o fato da secretária não ter agendado uma data, mas apenas registrou o meu nome e o número de telefone para contato. Devo ter esperado cerca de um mês. Até duvidava que aquela moça tivesse passado meus dados para ele. E, qual surpresa, uma voz masculina ao telefone, identificava-se como o próprio Adilson Sampaio.
Na primeira entrevista afiancei para ele que eu era a pessoa mais feliz do mundo e que não tinha nenhum problema: estava ali porque queria ser psicanalista. E só. Puro mecanismo de defesa. Levei um bom tempo ainda acreditando naquilo. Desmontei. Adilson acompanhou os meus piores e melhores momentos: as perdas e as conquistas. Foram muitas, ambas.
Só fui convidada a participar de uma seleção de candidatos para a formação psicanalítica, muito tempo depois, e em um momento em que, de fato, sentia na própria pele, os efeitos e a importância de uma análise pessoal.
O Círculo Psicanalítico de Sergipe (CPS) nasceu em uma entrevista de seleção que me submeti para fazer a formação psicanalítica no Círculo Psicanalítico da Bahia. Carlos Pinto Corrêa foi o grande fomentador da ideia, naquela entrevista, falando sobre a fundação da primeira instituição de Psicanálise na Bahia, que ele próprio criara em 5 de julho de 1971 e soprando inspiração para que surgisse, anos depois, o Círculo Psicanalítico de Sergipe (CPS).
A ideia foi trabalhada por mim, anos a fio na minha análise pessoal com Adilson e posteriormente alimentada, constantemente, nas supervisões com Carlos.
Decidi voltar a viver em Aracaju, onde moravam meus pais e no dia 18 de março de 1988 abri meu consultório de psicanalista autorizada na cidade. Naquele consultório, se instalava embrionariamente o CPS. Naquela ocasião eu já era também membro da diretoria do Círculo Psicanalítico da Bahia, cuja presidência era de Celso Vilas Boas.
Um ano depois, a psiquiatra Edméa Oliva Costa, que também fizera formação psicanalítica no Círculo Psicanalítico da Bahia e que foi analisanda de Luiz Fernando Pinto, estava autorizada e também voltou para Aracaju. Graças ao desejo de ambas e a soma de esforços para sua realização, apoiadas por Adilson Sampaio e Carlos Pinto Corrêa e com a subscrição de Celso Vilas Boas, Marli Piva e Eny Iglesias, todos psicanalistas do Círculo Psicanalítico da Bahia, que assinaram conjuntamente a ata de fundação, nasceu o CPS no dia 27 de julho de 1989 dando inicio a formação psicanalítica de três candidatos em Sergipe. Era efetivamente a primeira turma em formação em terras de Sergipe Del Rey.
A proposta, desde então, é de um estudo da Psicanálise que privilegia Freud e todas as grandes contribuições dos autores pós-freudianos.
Em 8 de setembro de 1990 durante o VIII Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise e I Fórum Brasileiro de Psicanálise, o 11 presidente do CBP era Johannes Hubertus Dousi (CPMG) e eu compunha a diretoria nacional com Marcos Baggio, Clóvis Bicalho, Luiz Viegas e Eliana Mendes. Naquela ocasião, o CPS foi reconhecido como a mais nova unidade do Círculo Brasileiro de Psicanálise e membro da International Federation of Psychoanalytic Societies (IFPS). Era a consolidação do trabalho que duas jovens médicas (eu e Edméa) faziam em nome da Psicanálise em Sergipe.
De lá para cá, muitos eventos psicanalíticos realizamos, muitos convidados recebemos em Aracaju, oferecemos não só ricas discussões científicas, com produções escritas, mas também criamos a Clínica Social em uma atitude inédita naquela ocasião, de oferecer um trabalho terapêutico para a comunidade estudantil carente oriunda dos cursos de psicologia e medicina, em convênio firmado com a Universidade Federal de Sergipe. O atendimento na Clínica Social do CPS é obrigatório aos candidatos em formação, sob a supervisão de analistas da Instituição, e representa um momento de prática do fazer analítico. Esta é uma maneira que a instituição tem de oferecer à comunidade um feedback do seu esforço e simultaneamente fazer um investimento na formação de novos psicanalistas.
Hoje, 30 anos depois da fundação, o CPS consolidou o seu papel e ratificou a sua responsabilidade com a transmissão e formação de psicanalistas. O CPS é um fórum, espaço aberto para debates, com uma proposta de acolher as diferenças produzidas no discurso contemporâneo e na interlocução com outros campos do saber. A chegada de novos membros-candidatos sempre é um desafio estimulante na missão de uma formação, que uma vez inacabada, permanente sempre será.
Para coroar o movimento psicanalítico de Aracaju, iniciado 30 anos atrás, em outubro de 2008 durante o XVII Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise, realizado em Aracaju, eu assumi a presidência nacional da instituição. Foram mais de 400 inscritos de todo o Brasil com 60 palestrantes. Este evento alcançou pleno êxito graças a uma fantástica parceria com a Associação Sergipana de Psiquiatria, liderada pelo psiquiatra José Hamilton Maciel Silva Filho e com o apoio de inúmeras instituições, entre elas a Academia Sergipana de Medicina, na ocasião presidida por mim, e a Sociedade Médica de Sergipe, sempre sensível aos eventos e publicações da categoria e que estava sob a presidência do confrade, imortal da Academia, o neurologista Petrônio Gomes.
Os anais do XVII Congresso ficaram prontos, graças ao esforço da minha orientadora do mestrado e doutorado, a Prof. Dra. Maria Jésia Vieira, que generosamente fez a editoração. Este livro levou a minha assinatura e a de Maria das Graças Araújo e foi lançado no próprio Congresso, levando o título do evento “Interfaces entre a Psicanálise e a Psiquiatria”.
Na minha posse como Presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise biênio 2008-2010 (Aracaju foi a capital brasileira da Psicanálise por dois anos) estavam presentes compondo a mesa da solenidade, o presidente da Associação Sergipana de Medicina, José Hamilton Maciel Silva Filho, Petrônio Gomes, presidente da Sociedade Médica de Sergipe, Henrique Batista, presidente do Conselho Regional de Medicina, José Hamilton Maciel, vice-presidente da Academia Sergipana de Medicina, Lúcio Prado Dias, secretário geral da Academia Sergipana de Medicina, José Augusto Barreto, diretor do Hospital São Lucas, Adelson Chagas presidente da UNIMED, Ricardo Ramos, diretor de negócios da UNIMED, e os presidentes das unidades federadas do Círculo Brasileiro de Psicanálise, Cibele Prado Barbieri, presidente da Bahia e a ex presidente nacional que transmitiu o cargo para mim naquela sessão, Cléo Malmann, do Rio Grande do Sul e que tomou posse como o vice-presidente nacional naquele novo biênio, Maria Mazzarelo Cotta Ribeiro, de Minas Gerais, Mercês Muribeca, da Paraíba, Ana Yeda Cirilo Carvalho, de Pernambuco, e Anchyses Jobim Lopes do Rio de Janeiro.
Com 30 anos de idade, uma instituição já tem história. E a história da Psicanálise em Sergipe confunde-se com a história do CPS, com a minha história pessoal, com a história de Edméa ou ainda com a história da psicóloga Alba Abreu, psicanalista lacaniana, que aqui se estabeleceu e um ano antes da fundação do CPS, em 10 de outubro de 1988, fundou com mais sete psicólogas, o Projeto Freudiano vinculadas ao Campo Freudiano. A instituição não se reconhecia de formação psicanalítica. Só no ano de 1998, dez anos após a fundação do Projeto Freudiano, aquele grupo iniciou um Curso de Fundamentos Básicos em Psicanálise que consideraram a porta de entrada da formação do psicanalista naquela instituição, romperam simultaneamente com o Campo Freudiano e passaram a fazer parte da Escola de Psicanálise do Campo Lacaniano. Naquela ocasião o Projeto era dirigido pelo dinâmico e jovem pesquisador Julio Hoenish, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Tiradentes.
Em março de 1997, um pequeno grupo de médicos e psicólogos fez brotar o Centro de Estudos Psicanalíticos de Sergipe, liderados pelo psiquiatra Adalberto Goulart. Em 2003 o Centro de Estudos passou a se chamar Núcleo Psicanalítico de Aracaju sob a responsabilidade da Sociedade Psicanalítica do Recife que por sua vez é vinculado a International Psychoanalytical Association (IPA). A primeira turma de formação do grupo se iniciou em 8 de abril de 2005. Trata-se de um grupo que tem produzido bastante e realizado importantes eventos em Aracaju.
Em 2001, aqui também nasceu a Associação Psicanalítica de Aracaju, grupo atuante, que desde então promove atividades de formação teórica e clínica. A sua origem, entretanto, é de 1981, por iniciativa de Antônio Cardoso Filho, professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), psicanalista com formação pela Escola Francesa de Psicanálise, convidado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UFS, naquele ano, para ministrar um curso sobre Literatura e Psicanálise. Em 1990, sob a coordenação de Antonio Cardoso, foi iniciada, através da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários, uma série de cursos semestrais em Psicanálise que perduraram até 1996, quando, ainda sob a coordenação do mesmo psicanalista, iniciou-se o curso de extensão em Teoria Psicanalítica, que durou até 1999.
A psicanalista Maria Stela Menezes Santana, especialista em crianças e adolescentes e que foi atuante presidente entre 2012 a 2014 do Núcleo Psicanalítico de Aracaju, fundou em 05 de fevereiro de 2015, um novo Grupo de Estudos de Psicanálise, Reverie, trazendo bons ventos e renovando o movimento freudiano em Sergipe.
Há uma banalização do termo Psicanálise nos tempos atuais. A sua prática, muitas vezes, é lançada levianamente, em um imenso caldeirão das múltiplas ofertas psicoterápicas e pseudoformações, onde o cliente, e mesmo um candidato à formação psicanalítica, não sabem distinguir o joio do trigo, frente a uma grande fragmentação teórico-metodológica, com uma infinidade de correntes teóricas e ofertas sedutoras. Um analista se funda na sua própria análise e por isso mesmo, a sua formação se distancia daquelas que oferecem titulações ou garantias.
Com 30 anos de história, a Psicanálise em Sergipe, a nossa instituição, o Círculo Psicanalítico de Sergipe e as demais instituições sérias deste país e do nosso Estado, são fiéis aos princípios da transmissão da Psicanálise, honrando o eixo ético de sustentação da formação de candidatos e o seu caráter permanente: análise pessoal, teoria da Psicanálise e supervisão clínica.
CARDOSO FILHO, Antônio. Associação Psicanalítica de Aracaju. Aracaju, 2007.
NÚCLEO PSICANALÍTICO DE ARACAJU. Formação psicanalítica. Boletim de Notícias. Ano 4, n. 11, junho de 2005, p.3.
PIMENTEL, Déborah. Introdução. In: Formação de Psicanalista. Aracaju: CEFET-SE, 2004 p.15-19.
PROJETO FREUDIANO. A história do Projeto Freudiano. Periódico Projeto Freudiano. Ano 4, n.07, junho a dezembro de 2002, p.2 –3.