Céu todo azul
Chegar no Brasil por um atalho
Aracaju,
Terra cajueiro papagaio
Araçazu,
Moqueca de cação no João do Alho
Aracaju,
voltar ao Brasil por um atalho
Ser feliz
O melhor lugar é ser feliz
O melhor é ser feliz
Mas, onde estou
Não importa tanto aonde vou
O melhor é ter amor
Aracaju,
Cajueiro arara cor de sangue
Caetano Veloso
Quando cheguei em Aracaju eu tinha 12 anos incompletos. Aracaju, cujo significado é cajueiro dos papagaios, sempre foi uma linda cidade litorânea, desde sempre tinha o seu charme e era um sonho sedutor.
Eu vinha do alto da Serra da Borborema, na Paraíba, e de repente dei de cara com o mar. “Aracaju, o melhor é ser feliz”, já dizia a canção de Caetano Veloso. Que felicidade!
Cresci aqui e é aqui que pretendo envelhecer. No meu imaginário, ainda tenho muito tempo. O sentimento é de que continuo uma menina.
Desde sempre afirmo que esta cidade é absolutamente encantadora, tem um cheirinho provinciano, com um povo hospitaleiro e alegre, e esbanja todo o charme de uma capital, inclusive pela sua ousadia urbanística, pois fundada em 1855, foi a segunda capital totalmente planejada e suas ruas centrais e primeiras possuem a forma de um grande tabuleiro de xadrez.
Quando lá atrás, crianças e adolescentes no final da tarde ainda brincavam nas ruas, jogando bola, brincando de pega, de queimado ou de roda. Ainda brincava de bonecas e conhecia todas as cantigas infantis: “Escravos de Jó, jogavam caxangá, tira, bota, deixa o Zambelê ficar. Guerreiros com guerreiros fazem zigue-zigue zá”.
Os jovens namoravam na porta, mas só quando o rapaz tinha sido ousado o suficiente para pedir autorização aos pais da mocinha. Os vizinhos ainda se sentavam nas calçadas todas as noites para trocar uma prosa, controlar as crianças para que não se afastassem de uma linha imaginária de segurança e punham o rabo de olho nos namorados que, vigiados, não podiam se exceder em afagos.
Tudo sem neuras. Sem medos. Todos se sentiam seguros em uma cidade abençoada e protegida pelo divino. Não havia nenhum sentimento de ameaça e não se falava em violência.
Eu estudava no Colégio Estadual Atheneu Sergipense, que tinha as suas vagas muito disputadas através do exame de admissão. Naquela época, as escolas públicas tinham credibilidade. Tínhamos orgulho de dizer do nosso vínculo escolar. A escola gozava de prestígio.
Aos sábados, no início da tarde, o programa era encontrar os amigos na Praça do Mine Golf. Naquela esquina havia o casarão dos Rollemberg, um antigo palacete do início do século XX de família tradicional sergipana.
Era uma imponente construção que eu tanto admirava e que hoje, tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico, é a sede da OAB de Sergipe. O seu ar aristocrata era simbólico e uma mensagem cifrada de que apesar de progressista, a cidade tinha histórias e muita tradição familiar.
E mais: que era imperioso reconhecer a lei do pai da qual não podíamos nos furtar. Os pais estavam ausentes daquele programa na Praça do Mine Golf, porém o casarão nos vigiava. Nada de badernas. Tínhamos que saber nos portar publicamente.
Outras tardes nossos pais permitiam que fôssemos ao Cine Palace, no centro da cidade. Lembro da era das pornochanchadas, cujo humor, para os padrões atuais, era absolutamente inocente.
Não lembro de na minha adolescência ter visto um fiscal ou ter sido sequer barrada na porta do cinema, cuja censura destas películas era para menores de 18 anos, porém com cenas mais inocentes do que as da novela Malhação, que hoje é exibida na telinha às 18h.
Claro que nos deslocávamos pela cidade caminhando, inclusive em direção ao cinema. As distâncias permanecem as mesmas, mas hoje só saímos para percorrermos estes mesmos trajetos se estivermos motorizados.
Aliás, não lembro de ônibus. Lembro das kombis como transporte público, e elas paravam em qualquer parte do trajeto padrão, desde que acenássemos. Os adultos acenavam. Nós, os jovens, caminhávamos.
Saindo do cinema, ficávamos na Praça Fausto Cardoso. Atrás de nós, um encantador coreto e mais atrás ainda, a linda Ponte do Imperador. Uma ponte esquisita, que liga nada ao nada, mas que pelo seu valor histórico, aquela espécie de atracadouro, construída para receber Dom Pedro II e a Família Real, sempre foi ponto obrigatório para os que visitam a cidade.
Os boys, filhinhos de papai, estacionavam os seus carros em frente ao Palácio do Governo, de fachada neoclássica e com suas belíssimas sacadas. Como não admirar aquele prédio, hoje Palácio Museu Olímpio Campos, restaurado e bem conservado e que era a residência dos governadores até o final da década de 80?
Aqueles jovens que se postavam diante da sede do governo estadual não faziam manifestações sociopolíticas, mas tratava-se de um movimento curioso, senão “revolucionário”, intitulado “quem me quer”’.
Era um verdadeiro desfile. Todos os rapazes com “calças boca de sino” encostavam-se aos carros e ficavam acompanhando, com o olhar, as meninas que saíam do cinema. As meninas fingiam não perceber os olhares, assovios e gracejos.
Nos dias politicamente corretos e chatos em que vivemos hoje, os meninos temeriam fazer qualquer manifestação, receosos que estariam de ser acusados de assédio. Já nós, na nossa maravilhosa e santa ingenuidade, adorávamos ser cortejadas daquele modo. E ficávamos encantadas. Sonhávamos com aqueles cabeludos, sofríamos com amores platônicos e rolavam as paqueras.
Acho que o verbo paquerar sequer existe atualmente e foi substituído pelo verbo ficar. Naquela época “ficar” já era namorar sério. Para acontecer o primeiro beijo, o clima era de muito romantismo e cheio de emoções elevadas ao limite máximo no corpo, que era bombardeado por pura adrenalina: o coração disparava, as mãos geladas e as pernas ficavam bambas.
Hoje o beijo se banalizou. Beijam-se muitas bocas numa mesma noite, abraçam-se, relacionam-se sexualmente e depois de muito ficar pode-se namorar, “ou não”, como diria Caetano Veloso. Aliás, o não, é muito mais frequente.
As relações atualmente são fluidas e fugazes. Os jovens são volúveis e raramente apaixonam-se. E quando acreditam estar amando, na menor e primeira frustração, pedem “um tempo”. Outra expressão que acho estranha, pois sempre quero crer que “um tempo” implica em um prazo definido, mas a expressão significa uma despedida e um adeus. Na grande maioria das vezes, sem volta. Acho que éramos adolescentes mais felizes do que os jovens da atualidade. Bons tempos!
originalmente do JLPolitica.com.Br