10 de Outubro – Dia Mundial da Saúde Mental
O conceito de saúde mental varia de acordo com as diferentes culturas e abrange também o bem-estar subjetivo, a auto percepção da eficácia, autonomia, competência, realizações do seu potencial intelectual e emocional e por conseguinte, algo mais do que a ausência de transtornos mentais.
Consideram-se transtornos mentais, os sintomas psiquiátricos que promovem alterações no relacionamento do sujeito com o mundo. Dejours afirma que a doença não tem caráter permanente, pois se trata de um processo, e que a noção de sofrimento psíquico seria uma zona de passagem entre a saúde e a doença.
Heródoto, no mundo greco-romano, aceitava duas explicações para a origem dos transtornos psíquicos: uma, centrada no divino ou sobrenatural e só se podia intervir com orações e sacrifícios, e a outra, tinha respostas nas causas naturais e, por conseguinte, coincidente com as interpretações médicas da época, ou seja, os distúrbios psíquicos teriam as mesmas origens das doenças físicas incorporadas à teoria dos humores.
Todo tipo de disfunção mental era considerado como resultado da produção excessiva da “bile negra” que alterava as faculdades mentais e era reconhecida como sendo loucura. Na Antiguidade e Idade Média, os distúrbios mentais foram considerados como vícios cuja origem eram as transgressões das normas que regiam as forças naturais e a loucura era uma demonstração de revelação divina.
No século XV, a loucura era considerada um defeito ou uma irracionalidade e um fenômeno de transgressão social. Os loucos deveriam ser excluídos com os feiticeiros, vagabundos e marginais.
Pinel, no século XVIII, foi o pai da psiquiatria moderna. Para ele, “o conhecimento era um processo cuja base era a observação empírica dos fenômenos que constituíam a realidade”.
Em 6 de maio de 1856, em Freiberg, na Moravia (República Tcheca), nasceu Sigmund Freud, um homem que recebeu educação judaica não tradicional e aberta a filosofia do iluminismo, e marcou irremediavelmente a história da humanidade com um livro, Die Traumdeutung, conhecido como “A Interpretação dos Sonhos”, considerado como o texto fundamental à Teoria Psicanalítica. O livro foi publicado em novembro de 1899, mas datado de 1900 pelo seu editor e influenciou, de forma marcante, a psiquiatria, a sociologia, a literatura, o cinema, a educação e todo o pensamento do século XX.
São decorridos, no momento, 119 anos da Die Traudeutung, obra que mudou a paisagem cultural do mundo moderno (1899), 72 anos após o primeiro computador (1946), 49 anos após o homem ter conquistado a lua (1969), 45 anos após o filme revolucionário “O Último Tango de Paris” (1973), 29 anos após a morte de um grande ídolo popular no Brasil, Cazuza, o primeiro a admitir ser vítima da Aids (1989), 23 anos após a popularização da Internet (1995), 21 anos após a clonagem do primeiro mamífero, a ovelha Dolly (1997), 20 anos após o revolucionário Viagra (1998), 17 após as primeiras grandes conclusões do Projeto Genoma (2001). O inconsciente de hoje, com todas essas mudanças sociais, científicas, tecnológicas, culturais já não é o mesmo inconsciente de 119 anos atrás estruturado por Freud. Entretanto, a teoria psicanalítica torna-se cada vez mais forte, apesar das vicissitudes e desafios da clínica, inclusive por essa cultura capitalista de consumo diante do crescente imaginário social que só encontra paralelo na clínica do narcisismo.
As manifestações psíquicas nos dias atuais se caracterizam por um mal-estar difuso, um sentimento interior de esvaziamento, forte oscilação de humor. O grande fantasma da pós-modernidade permanece o mesmo, não de há cem anos, mas de há milhares e milhares de anos, desde quando o homem surgiu: a morte.
A constante ameaça de morte sempre remete os sujeitos a uma condição de impotência e correlata à castração, lugar do confronto com o real, que nos dá a dimensão da falta que nos mobiliza em direção ao desafio e à criação.
O sujeito só abre mão do seu desejo quando diante da morte. A morte o joga ao desamparo. Não é o amor pelo próximo que faz o sujeito renunciar de seu desejo. O temor da morte faz os homens se unirem em nome do projeto social e da comunidade, ou seja, o homem é obrigado a amar para não ser destruído, a não matar, para não morrer. Ao substituir, a cada momento, ainda que parcial e rapidamente, o desamparo pela criação, o homem dá sentido à sua história.
O compromisso da psicanálise é justo com esta dimensão trágica da existência humana.
A psicanálise tem sido nos últimos cem anos, uma grande interlocutora com outros saberes, sempre disposta a levar a bom termo, discussões éticas das metamorfoses que a nossa subjetividade sofre no mundo contemporâneo, subjetividade esta, marcada pela morte, pelos amores e paixões, pela sexualidade, pela loucura, pelo inconsciente e as relações com o outro.
Rubem Alves (2003) costuma dizer que saúde emburrece os sentidos e que o ser humano precisa aprender com a sua doença, pois a doença ressuscita os sentidos adormecidos.
A psicanálise não traz soluções, entretanto desafia aqueles que têm coragem de pensar sobre si e sobre a questão da alteridade e querem garantir a sua saúde mental.
“Não podemos nos tornar cúmplices de um mundo sem limite…” Recomenda Lebrun e recorre a F. Scott Fitzgerald, que, em um dos seus últimos textos, La fêlure (A falha), de 1963, afirmava que “deveríamos poder compreender que as coisas são sem esperança e, entretanto, estar decididos a mudá-las”. Que se retorne à teoria freudiana. Retornar à teoria freudiana é interrogar-se sobre o sentido da vida, é levantar questões que promovem mais pesquisas e mais trabalho, em um contínuo processo entre a prática e a teoria, nestes tempos em que tudo parece sufocar o sujeito, anular a subjetividade, em um tempo em que cada um vale pelo que tem, consome e produz e menos pelo que sente ou sabe.
Onde reconhecermos a dimensão trágica do homem, a psicanálise deve advir, interrogando o ser humano sobre o sentido de sua existência e possibilitando o surgimento do sujeito. Deste compromisso a psicanálise não pode recuar. É hora de apostar na psicanálise.