Interfaces entre a Psicanálise e a Psiquiatria

O nosso cotidiano, a cultura e as relações sociais veem-se influenciados pela Psicanálise e pela Psiquiatria, como formas específicas de lidar, tratar e acolher o mal-estar contemporâneo.
Hoje a fronteira entre o diagnóstico de saúde e os transtornos mentais é muito tênue. Vive-se em um mundo competitivamente selvagem onde o sujeito é pressionado por resultados eficazes e com uma produção que mensura o seu desempenho.

O sujeito do terceiro milênio é um desajustado frente à cultura do narcisismo. Ele é um insatisfeito crônico. Manipulado pela mídia, tem seus desejos transformados em necessidades, o que faz com que esta insatisfação e promessa de prazer imediato sejam marcas da cultura narcísica.

Considerando o sujeito como uma unidade biopsicossocial, fica fácil perceber como questões biológicas, psicológicas e as sociais, são favoráveis ao desencadeamento dos transtornos mentais. Justo estas sobreposições de elementos fazem com que sejam valorizadas as interfaces na contemporaneidade entre a Psicanálise e a Psiquiatria, antes campos tão distintos.

Indubitavelmente os psiquiatras sempre foram muito valorizados por ser a psiquiatria uma especialização médica e, por conseguinte, ter como ofício uma prática reconhecida como ciência.
Os verdadeiros psiquiatras com formação mais humanista sabem e reconhecem que não basta ficar atento e pesquisar os neurotransmissores e neurohormônios, e que a cura dos seus pacientes não passa necessariamente pelo uso de psicofármacos, que muitas vezes embotam o desejo e impedem que o sujeito entre em contato com a sua própria dor e a partir daí reconheça seus limites e faça novas escolhas, em vez de gozarem nos sintomas que trazem uma simbologia que precisa ser decodificada.

Os psicanalistas, considerados por muitos e por muito tempo, filósofos da alma, mais ligados à arte do que as ciências, sobrevivem, mesmo sob a constante pressão de resultados imediatos em uma era de tratamentos farmacológicos, e sob a ameaça das seguradoras com seus planos e convênios de saúde que cobram tratamentos curtos e eficácia financeira da assistência médica.
Esta sobrevivência se dá graças aos bons resultados que a Psicanálise oferece. Os psicanalistas sempre foram reconhecidos por ajudar o sujeito a lidar com seu desamparo e a aceitar a si mesmo e o outro com maior tolerância, criando possibilidades de mudanças, transformações e resgates de genuínas relações afetivas.

A Psicanálise desafia aqueles que têm coragem de pensar sobre si e sobre a questão da alteridade e interrogar-se sobre o sentido da vida, nestes tempos em que tudo parece sufocar o sujeito, anular a subjetividade, em um tempo em que cada um vale pelo que tem, consome e produz, e menos pelo que sente ou sabe.

Psiquiatras não podem desqualificar o sujeito do inconsciente e apostar todas as suas fichas nas drogas que prometem a felicidade e anestesiar a dor psíquica de qualquer natureza. Aliás, a dor psíquica é tratada além da Psiquiatria, na medida em que outros especialistas médicos propõem aos pacientes uma adesão quase compulsiva aos psicofármacos. Ninguém, nos dias atuais, pode chorar, fazer luto, ficar triste, sofrer por amor ou desamor. Todo o mal-estar e angústias próprias do desamparo estrutural são tratados à base de pílulas.

Por outro lado, os psicanalistas na sua onipotência cega, não podem, em certas circunstâncias, ignorar a dimensão corpórea do sujeito, os benefícios farmacológicos e a sua simbologia durante um tratamento.

Para se chegar a um equilíbrio das interfaces entre a Psicanálise e a Psiquiatria é preciso que ambos os profissionais compreendam que o ser humano precisa aprender a reconhecer e suportar os limites de sua dor psíquica sem sucumbir à angústia.

Esta sintonia fina entre psicanalista e psiquiatra é percebida pelo paciente que faz maior adesão do tratamento e não boicota as sessões e nem usa a medicação para fugir do seu desconforto ou garantir a ilusão da satisfação frente à sua falta de crenças e ausência de ideais.

É possível, portanto, havendo respeito sobre as singularidades e limites, manter um diálogo permanente entre a Psicanálise e a Psiquiatria. É esta a atual proposta.

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