O Amor e a Felicidade: Inspirações ou Devaneios?

As pessoas sempre associam a felicidade à presença de um parceiro em suas vidas. E não é um parceiro qualquer, mas um idealizado. Um príncipe encantado ou uma princesa bela e adormecida, que não tenha desejos próprios e que seja generosa, se doe, e viva em função do outro.

O amor é invenção, criação, projeção dos seus desejos e aspirações no outro que recebe imaginariamente todos os atributos que supostamente nos complementariam.

Considerando, portanto, que os amores românticos estão no campo do imaginário, eles estão fadados ao fracasso e nos trazem muita dor e sofrimento. O psicanalista Freud1 nos diz que nós nunca somos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, e nunca tão desamparadamente infelizes quando perdemos o objeto amado ou o seu amor.

Epicuro de Samos (341 a.C. – 271 a.C)2, um filósofo grego, já nos advertia sobre estas dores e frustrações amorosas e afirmava que as amizades trazem muito mais felicidade que o próprio amor.

Para o filosofo Platão3, o mundo perfeito é o ideal, e o mundo real é o nosso corpo, onde habitamos e que nos trai, adoece, traz dor e sofrimento. Vivemos em busca deste ideal muito distante, o tempo inteiro, inclusive o nosso perfeito amor. Nietzsche4 avança nestes pensamentos quando diz existir o mundo sensível, percebido pelo corpo e pelos nossos sentidos, e o mundo inteligível ou ideal, que só é acessado através das ideias e da racionalização.

O Amor Fati é este conceito racionalizado de amor, trazido por Nietzsche4, em contraposição a filosofia idealista de Platão3. Ele advoga a importância do amor pela vida, pelas pessoas e pelo mundo exatamente como eles são. Se a vida ideal e perfeita é a do outro ou a dos sonhos, ou seja, inatingível, em vez de aproveitar os bons momentos que tenho aqui agora, sou infeliz por não ter o que ou quem eu idealizei e desejo (o emprego ideal, o filho ideal, o companheiro ideal). Ou seja, o amor e a vida nos frustram e são fontes de sofrimento por colocarmos tantas exigências, enquanto isso, os amigos não são idealizados e, por conseguinte, suas presenças nos fazem felizes.

A orientação de Nietzsche diz respeito a um outro conceito dele: o do eterno retorno. Você deve viver de uma forma, de sorte que você sempre deseje repetir o fenômeno da satisfação e felicidade proporcionadas pela alegria de viver e amar a vida como ela é, no aqui e agora (Amor Fati). Aproveite o seu momento, a sua vida, as suas conquistas e os seus amores, como eles são e da melhor forma possível, e assim, você estará fadado a repetir estes agradáveis momentos e ser feliz a vida inteira. Considere que cada um saberá reconhecer, naquilo que compõe a nossa vida, não necessariamente os momentos marcados como exceção, mas dentro da simplicidade do cotidiano, um momento feliz e alegre que mereça ser eternizado.

Como as pessoas buscam momentos únicos, estes raramente se repetirão e isso nos fará mais infelizes. Entretanto se valorizamos coisas que nos dão prazer durante o nosso dia (encontro com os alunos em sala de aula, a taça de vinho no final do dia) certamente teremos, segundo o filósofo Baruch Spinoza (1632-1677)5, um aumento da nossa energia vital que nos motiva e nos dá prazer de viver. Claro que durante o dia existirão circunstâncias que nos roubarão esta mesma energia e o nosso joie de vivre, sem que tenhamos chances de controlar estes fatos. Outrossim, a forma como lidamos com estes infortúnios é que fará diferença na condução da nossa vida. São escolhas na administração racional dos problemas sem promover ou alimentar mais sofrimento.

Estamos sempre em busca da alegria de viver ou do sentimento de felicidade. Mas a forma como idealizamos, traçamos os objetivos e metas de nossas vidas, quando os alcançamos, não desfrutamos do prazer da conquista, na sua plenitude e a felicidade dura muito pouco.

Ser plenamente feliz, é um impositivo que não pode se concretizar. Freud1,6  nos lembra que a cultura tem duas finalidades: a nossa proteção frente a natureza e também é uma forma de regulação dos vínculos recíprocos entre os homens. Ou seja, o sujeito troca uma parte da sua felicidade por uma parte de segurança.

Assim, a cultura colabora para bloquear a felicidade, nos frustrando, dando limites, costumes, regras, criando ilusões: nos neurotizando. O ser humano torna-se radicalmente e sempre insatisfeito, entretanto não podemos desistir de buscar aquilo que nos faz felizes. E se formos menos exigentes conosco mesmos, estaremos mais próximos deste caminho que é a construção da felicidade.

Freud7 quando questionado como a psicanálise ajuda as pessoas, esclarece que ela não se propõe a dar a fórmula da felicidade, mas transformar o nosso sofrimento em algo mais suportável:

Sem dúvida o destino acharia mais fácil do que eu o aliviar de sua doença. Mas  você poderá convencer-se de que

haverá muito a ganhar se conseguirmos  transformar seu sofrimento histérico numa infelicidade comum.

Com uma vida mental restituída à saúde, você estará mais bem armado contra essa  infelicidade.

Termino este ensaio dizendo que a felicidade como a concebemos não existe e que cada um terá que encontrar o seu caminho. Faço minhas, as palavras do genial fundador da psicanálise:

Não existe regra de ouro que se aplique a todos: todo homem tem de

descobrir por si mesmo de que modo especifico ele pode ser salvo.

Freud

REFERÊNCIAS

  1. FREUD, S. (1930). O mal-estar na civilização. In: S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 21, p.81-171). Rio de Janeiro: Imago. p.82. 1974.
  2. PENSADORES. Epicuro, Lucrécio, Cícero, Sêneca, Marco Aurélio. Abril cultural, 1985.
  3. ZINGANO, M. Platão & Aristóteles. O fascinio da filosofia – coleção imortais da ciência. Editora Odysseus, 2002
  4. FOUCAULT, M. Nietzsche, Freud e Marx. Theatrum philosoficum. Sao Paulo: Principio Editora, 1997.
  5. CHAUÍ, M. Spinoza: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 1995.
  6. FREUD, S. (1913). Totem e tabu. In: S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad., Vol. 13, p.81-171). Rio de Janeiro: Imago. p.82. 1976.
  7. FREUD, S; BREUER, J. (1893-1895). A psicoterapia da histeria. In: S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud (J. Salomão, trad.,) Rio de Janeiro: Imago, v.2, p.363, 1974.

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