O dilúvio do fim do mundo: reflexões sobre a calamidade do Rio Grande do Sul

“O que nos afeta diretamente, nos ensina”
Carl Gustav Jung

No coração de Porto Alegre e se estendendo por vastas regiões do Rio Grande do Sul, a tragédia delineia-se em traços tão profundos quanto as águas que inundam suas cidades.

As chuvas implacáveis que atingiram o Estado, marcando o mês de maio de 2024 como o mais chuvoso desde 1961, não são apenas um fenômeno meteorológico, mas um reflexo alarmante das mudanças climáticas que desafiam a nossa época.

Diante desta calamidade, mais de 620 mil pessoas foram forçadas a abandonar seus lares, buscando refúgio contra uma natureza agora hostil. A morte e o desaparecimento de centenas de pessoas pintam um quadro sombrio, exacerbado pelo colapso de infraestruturas vitais: pontes caídas, aeroportos interditados e deslizamentos de terra, que minam ainda mais a estabilidade já fragilizada desta região.

A psicanálise, embora frequentemente confinada às paredes de um consultório, não pode ignorar o sofrimento humano em tais escalas. Os membros das múltiplas federadas do Círculo Brasileiro de Psicanálise, não apenas se solidarizam, mas põem efetivamente a mão na massa emprestando nossa força de trabalho para um exercício clínico voluntário online de acolhimento às vítimas.

Como Jung sabiamente apontou, é nos momentos de maior aflição que mais aprendemos sobre nós mesmos, sobre nossa resiliência, nossa capacidade de empatia e nosso potencial para a solidariedade. Contudo, é também nestes momentos que as sombras da humanidade se revelam: notícias de saques, violência e exploração da tragédia para fins fraudulentos ou políticos mancham os esforços de ajuda.

A resposta à calamidade é tanto de desespero quanto de esperança. Enquanto alguns se aproveitam do caos, muitos outros se mobilizam em uma onda de solidariedade. Campanhas de arrecadação de alimentos, roupas, colchões e cobertores, além de ações humanitárias, ressoam pelo país, trazendo um pouco de alívio às vítimas desse infortúnio.

O Dia das Mães deste ano, marcado pela dor, também foi um testemunho da compaixão humana, com crianças de todo o Brasil escrevendo cartas de apoio às vítimas, distribuídas por soldados e bombeiros.

Na esteira dessa devastação, o desafio da reconstrução se apresenta imenso. Não é momento para divisões partidárias ou disputas de narrativas. A catástrofe requer uma gestão eficaz e uma resposta humanitária coordenada.

A União e os Estados devem agir prontamente, não apenas com recursos financeiros, mas também com suporte emocional e psicológico para aqueles que perderam tudo.

Como médica, e psicanalista, observo que a saúde mental das vítimas dessa calamidade precisa de atenção especial. O trauma gerado por perdas tão significativas pode ecoar por gerações, e é nosso dever assegurar que o suporte psicológico seja parte integral dos esforços de recuperação.

Nestes tempos de extrema adversidade, somos chamados a refletir sobre o que realmente significa ser humano. Em meio ao caos, encontramos espaço para atos de generosidade e compaixão que, embora possam parecer pequenos frente à magnitude da desgraça, são os verdadeiros pilares para a reconstrução de nossas comunidades e de nosso espírito coletivo.

“O que nos afeta diretamente, nos ensina”. Sim, à medida que enfrentamos esses tempos tumultuados, que possamos aprender não apenas a sobreviver, mas a emergir mais conectados e resilientes do que nunca.

originalmente do JLPolitica.com.br

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