A ditadura da beleza e da eterna juventude

“Na juventude, deve-se acumular o saber. Na velhice, fazer uso dele”
Jean-Jacques Rousseau

Desde os primórdios, os homens – quero dizer, e por favor entendam aqui, que me refiro ao ser humano, sem distinção de sexo e gênero -, acreditaram terem sido criados à imagem e semelhança de Deus e isto, de alguma maneira, apontava para a condição humana de insignificância e uma eterna busca da perfeição.

Ao falarmos de perfeição, queremos dar uma conotação espiritual, de conduta e de retidão moral. Porém com o advento da internet, em tempos de comunicação moderna, interativa e rápida, com Instagram e ChatGPD, descobrimos que a perfeição que antes era de ordem etérea e ética, agora é puramente estética.

Antes, o corpo era da ordem do sagrado e vivia sob controle, para evitar que o homem caísse em tentação e pecasse, gerando culpa pela sua sexualidade e pelos seus inconfessáveis desejos.

Hoje, o que conta é só a aparência. As imagens dos corpos, objetos de desejo, desfilam com suas faces harmonizadas, nos modelos vigentes. Portanto, o pecado agora é ter aparência de velho, ter rugas, cabelos grisalhos ou ser careca, ser gordo, ter celulite e estrias.

A medicina, graças aos recursos tecnológicos e cirúrgicos, aliados aos da bioengenharia, avançou a ponto de ser capaz de fazer intervenções estéticas nunca dantes imaginadas.

A mídia tenta nos convencer de que só as pessoas jovens, magras, com corpos malhados, músculos bem definidos, rostos harmonizados, terão sucesso no amor e nos negócios.

O corpo passou a ser palco da perfeição e da juventude eterna. E as mídias sociais vem a ser o mais poderoso instrumento deste controle social. Vive-se uma nova forma de ditadura: a da beleza e da juventude.

As pessoas são levadas de forma hipnótica a se identificar e idealizar algo inexistente, em um esforço brutal para se alcançar o ideal do corpo perfeito.

São muitas as ofertas para um homem ou uma mulher, cis ou trans, não importa, parecerem diferentes, mais bonitos, mais desejáveis e ilusoriamente perfeitos: mudam a cor dos olhos, usam cosméticos, tatuagens, aumentam ou diminuem partes do corpo, como seios, bumbum, panturrilhas, lábios e genitais.

Mas, quero falar mesmo é da beleza que a mídia imperativa impõe e entra em consonância com as nossas escolhas narcísicas. O desejo estimulado pela propaganda se transforma em necessidade absoluta.

Neste mundinho de corpos e mentes vazios, o marketing é um grande instrumento que articula o consumo à produção de sentidos para a vida. Vive-se a cultura da superficialidade, do vazio e da falta de esperanças.

O ser e o parecer se confundem. Questiona-se se é possível ser algo além do que se aparenta, ou se é possível aparentar justo o que não se é. A aparência é um operador da percepção do que o sujeito supõe ser.

Os belos corpos são expostos nas redes sociais, nas revistas, nos outdoors ou na TV, mas paradoxalmente algumas vezes são inexistentes, uma vez que são retocados e alterados pelos fantásticos softwares de edição de imagens, os populares filtros e photoshop.

Há dois meses, a imagem da cantora pop Madonna, 64 anos, circulou e chocou o mundo, quando apareceu no Grammy Awards 2023. Para alguns, ela estava deformada e irreconhecível e deveria se cuidar mais.

Para outros, ela estava negando o envelhecimento e estava sofrendo as consequências iatrogênicas de múltiplos procedimentos, tornando-se mais uma escrava da ditadura da juventude. Se aparecesse perfeita, e estava, no meu ponto de vista, seria julgada de qualquer forma. Mundinho cruel!

Há um sofrimento em muitos de nós, onde me enquadro, com o medo do que significa a velhice. Existe um patrulhamento para que as pessoas “se cuidem mais” e não se tornem ridículas com suas pálpebras e peitos caídos.

Também percebo em alguns dos meus amigos, um movimento libertador que lhes dão licença poética para dizer ou fazer o que quiserem, no hoje, aqui e agora, pois o amanhã é uma incógnita e talvez não terão mais chances de vestir, sentir, ser o que sempre desejaram e agora se permitem, na maturidade.

Eu mesma me percebo assim, mais livre para dizer o que penso. Às vezes imagino que o espírito de Dona Toinha Pimentel, minha avó paterna, baixou em mim.

Ela era uma mulher simples, porém de vanguarda e promovia uma revolução no campo privado: fumava cigarro de palha, bebia vinho e desbocada dizia o que pensava.

Nunca se preocupou com aparências e talvez por isso era absolutamente linda, sem frescuras, sem vaidades, com seus carinhosos olhos azuis, cheios de pés de galinha e rugas na fronte: uma deusa!

Suas marcas contavam as suas histórias. Criou bem os seus filhos e cuidou e influenciou de forma positiva a neta mais velha, esta que vos escreve estas mal traçadas ideias.

Acho que não preciso ficar prisioneira de padrões para ser mais querida e que, nem tampouco, manifestando o que penso de forma franca e direta serei menos respeitada.

Acho que estou, a cada dia, ficando mais preparada para envelhecer mais e mais. Entretanto, tenho medo sim, de me perder de mim mesma. Afinal, não podemos fingir o que não somos.

O tempo demonstra isso. Senão nos tornaremos personas: imagens caricatas. Quero envelhecer cada vez mais, porém com autonomia e muita dignidade.

Ver os anos desfilarem é um grande privilégio, afinal ser portador de rugas equivale a ser detentor de histórias e memórias, sem negar o que vivi, o que sou, o que fiz, nem a idade que tenho. Há de se ter sabedoria para se viver e envelhecer. Tenho dito!

originalmente do JLPolitica.com.Br

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